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Da Aldeia para a Rede busca mostrar as culturas indígenas sem estereótipos

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Publicado: Quinta, 15 de Outubro de 2020, 08h14 | Última atualização em Quinta, 29 de Outubro de 2020, 20h03 | Acessos: 1050

Projeto de extensão do Campus Ceres está sendo desenvolvido em rede, a partir do compartilhamento de vivências da aldeia Crim Pa-Tehi, no Tocantins

“São muitos os problemas e violências que os indígenas sofrem simplesmente porque temos um pensamento retrógrado sobre eles”. Com essa frase, o professor Marcelo Batalha, do Campus Ceres do Instituto Federal Goiano (IF Goiano), explica a principal motivação de projeto Da Aldeia para a Rede, desenvolvido desde 2019 por ele com estudantes do Ensino Médio Técnico da unidade. Com auxílio do discente Ihtot Kanela, da aldeia Crim Pa-Tehi, o projeto traz ao público vivências da comunidade indígena, no intuito de mudar a visão distorcida que a população em geral tem sobre esses povos.

Em entrevista para a equipe do IF na cidade, que se encontra transcrita abaixo, o professor Marcelo da Luz Batalha trouxe mais detalhes sobre o projeto, que almeja possibilitar, em suas palavras, uma reanálise dos conceitos impostos sobre os indígenas, a fim de desfazer o preconceito cultural, contra os povos indígenas, enraizado na sociedade brasileira.


(Equipe IF na cidade) Qual a história do projeto? O que ele busca idealizar?

(Professor Marcelo) A ideia desse projeto surgiu a partir da disciplina de Sociologia, ministrado por mim em 2019, destinado aos ingressantes no Ensino Médio Técnico do campus. Trabalhávamos a unidade de Antropologia e já tínhamos passado pelas questões conceituais de cultura, etnocentrismo e alteridade cultural quando entramos na questão indígena. Para trabalhar com essa questão utilizamos um texto muito didático, chamado Cinco ideias equivocadas sobre o índio, de autoria de José Ribamar Bessa Freire, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Começamos pela desconstrução da ideia de “índio genérico”, de que índio é índio e todos são iguais, são um único povo. Normalmente aprendemos que índio mora em oca, é caçador, cultua o deus Tupã, que fala “a língua indígena”. Mas isso não condiz com a realidade. Demonstramos que cada povo indígena é único pela sua cultura, língua, religiosidade, forma de organização social e de divisão do trabalho, cultura alimentar, pensamento, conhecimento científico, formas de medicina entre várias outras particularidades. Cada unidade indígena possui suas diferenças, que inclusive levam a guerras e disputas políticas e territoriais.

Outro equívoco que vale destacar é o pensamento retrógrado de que os povos indígenas possuem culturas congeladas e atrasadas, que representam o passado e portanto devem ser protegidos ou parte de nossa história será exterminada. Mas a verdade é que esses povos não representam nenhum passado – assim como a nossa, a cultura indígena está em constante atualização e transformação, nós apenas não conhecemos a complexidade das diversas formas que os povos deles vivem.

Nesse sentido, o projeto visa desconstruir esses e outros conceitos equivocados a partir do compartilhamento da vivência do nosso estudante Daniel Ihtot, que é um indígena da etnia Kanela, da aldeia Crim Pa-Tehi, que fica na zona rural do município da Lagoa da Confusão, no Estado de Tocantins. Desde o ano passado Daniel vem demonstrando um pouco do que aprendeu no seio social da etnia Kanela, realizando trabalhos de cunho cultural no Campus Ceres, como pinturas corporais, rituais de passagem da vida infantil/adolescente para a vida adulta, bem como a forma de receber e participar de obrigações específicas no dia a dia da sociedade Kanela.

Devido ao isolamento causado pela pandemia adaptamos o projeto para que ele e os outros colegas que são estudantes do curso de Informática para Internet se apropriem das novas tecnologias e promovam o conhecimento do grande público acerca da cultura Kanela. A ideia, portanto, é trabalhar com material prático, didático e teórico, para acabar com os equívocos e discursos preconceituosos sobre os indígenas, tendo como base o compartilhamento de imagens – fotos e vídeos – da aldeia Crim Pa-Tehi (Aldeia Kanela). Esse material está e está sendo compartilhado pelo perfil do próprio estudante no Instagram: @ihtotkanela.

 


O estudante Ihtot Kanela, durante Mostra de Diversidade Cultural de 2019

 

Importante ressaltar que o projeto se liga a uma rede de projetos de indígenas do Brasil que estão utilizando as novas tecnologias de comunicação e informação para criar redes de compartilhamento de informações e notícias. Os estudantes, por meio do projeto, estão lidando com a nova fronteira do ativismo e política indígena: ocupar as redes sociais que se tornaram arenas de debate público, de informação e de articulação. Estão colocando em prática as teorias que apontam a potencialidade da internet em aprofundar a democracia e a participação de grupos social e politicamente excluídos do processo de formação da nossa sociedade . É um projeto inicial, mas avançado, que traz nele muitas potencialidades.


De forma geral, qual o impacto esperado que o projeto traga para a sociedade?

O impacto esperado é que esse projeto ajude a mostrar os erros, em nosso imaginário, sobre os povos indígenas. Ainda mais neste momento crítico que estamos vivenciando no Brasil, em que observamos invasão de terras indígenas, assassinatos de lideranças indígenas, falta de assistência de saúde para os povos indígenas em plena pandemia de Covid-19, ameaça de revisão e não demarcação de terras indígenas. São muitos os problemas e violências que esse povo sofre simplesmente porque temos um pensamento retrógrado sobre eles.

Quero dar um exemplo do que está acontecendo agora com a crise do aumento do arroz. Está circulando um vídeo nas redes sociais de um agricultor dizendo que a cultura de arroz precisa de áreas alagadas e que essas áreas são escassas no Brasil. Logo, pelo pensamento simples dele, há reservas indígenas com áreas propícias para o cultivo de arroz, mas por serem protegidas prejudicam a produção, e caso fossem utilizadas poderiam fornecer o aumento da oferta de grãos no mercado e, assim, abaixar o preço do arroz.

Vejam só: esse pensamento já aponta para um dos equívocos que a Antropologia rebate, de que há muita terra para pouco índio e que essas terras poderiam ser usadas para a produção de alimentos para toda uma nação reduzindo suas dificuldades e que as reservas indígenas são improdutivas e impedem o avanço econômico e do progresso. Não, isso está errado. As terras indígenas demarcadas não significam muita terra para poucos povos indígenas, isso não os iguala aos latifundiários, como os conhecemos: fazendeiros que concentram grandes propriedades e que representam 88% das terras improdutivas no Brasil. Além disso, a demarcação e preservação de territórios indígenas está atrelada a recursos dos estados que geram dividendos para os municípios ao redor, através do ICMS Ecológico.


Pode estimar quantas pessoas poderão ser auxiliadas/ atingidas com as ações do projeto?

Penso que esse projeto poderá impactar quem acompanhar e estiver aberto a rever seus conceitos e preconceitos sobre os povos indígenas. Quem estiver aberto para novas leituras, novos conhecimentos, em estar em contato com “o outro”, com o diferente e respeitá-lo. Espero muito que esse projeto tenha efeitos diretos em todos que estão participando dele e tenham contato com ele.

[Espero] que novos cientistas, profissionais e governantes pensem e invistam mais na cultura indígena, principalmente diante de todo o conhecimento que o projeto fornece. O que propomos provocar e pensar, não é apenas para ficar no mundo das ideias, mas é para ser aplicado. Referenciando Ailton Krenak, considerado uma das maiores lideranças do movimento indígena brasileiro, "são ideias que podem adiar o fim do mundo" .

 

 

Equipe IF na Cidade – adaptado pela Ascom Campus Ceres

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