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IF Mulheres (entrevista completa do Boletim IF em Movimento)

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Publicado: Sexta, 13 de Novembro de 2020, 19h37 | Última atualização em Terça, 01 de Dezembro de 2020, 02h21 | Acessos: 811

Entrevista integrante do Boletim IF em Movimento (dez/20)

Criado em 2020 para este Boletim, o IF Mulheres é um espaço destinado a divulgar as ações de mulheres em nosso Campus Ceres. Tendo em vista que, como frutos de uma sociedade machista, na qual a violência contra a mulher – física, verbal ou emocional – é naturalizada, elas possuem várias desvantagens sociais. Então, esta seção se configura como um espaço de luta contra a institucionalização das violências e um espaço de referência e sororidade para as nossas estudantes, servidoras e mulheres da comunidade local. Na abordagem dessa edição, realizamos entrevistas com três mulheres que, assim como outras inúmeras servidoras, têm ganhado notoriedade devido ao seu desempenho profissional.

Tema: Lugar de mulher é onde ela quiser!

 

Entrevistada: Geísa D´Ávila Ribeiro Boaventura

 

Descrição profissional: Pedagoga pela Universidade Estadual de Campinas (1993), especialista em Educação Infantil pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro (2002), mestra em Educação pela Universidade de Brasília (2010) e doutora em Educação pela PUC-GO. É docente do quadro efetivo do Instituto Federal Goiano, e, atualmente, trabalha na Reitoria da Instituição, no cargo de pró-reitora de Extensão.


1. Ao longo de muitos anos você tem estado à frente do Programa Mulheres Mil, gostaria que explanasse sobre a importância desse projeto e como você se identifica com ele.

O Programa Mulheres Mil tem como objetivo principal a inclusão social de mulheres em situação de vulnerabilidade socioeconômica e educativa por meio do resgate da sua cidadania e geração de oportunidades educativas, culturais e de trabalho, bem como de renda, por meio de cursos, palestras, encontros, oficinas e ações de empreendedorismo. Nessa direção, os cursos ofertados e ações realizadas no escopo do programa abordam conteúdos de capacitação profissional, mas também discutem temáticas de formação humana e cidadã que enfocam principalmente os direitos e deveres das mulheres na sociedade atual. O programa é de fundamental importância por vários aspectos, dentre os quais destaco o retorno da mulher – que muitas vezes se dedicou às atividades domésticas em boa parte da vida – ao contexto escolar e formativo e principalmente sua possibilidade de inserção ou reinserção no mundo do trabalho. Além desse aspecto, ele proporciona às mulheres a troca de experiências de vida e de trabalho, dando potencial para que compreendam e busquem superar os desafios, violências e preconceitos enfrentados por elas na sociedade em que vivemos. Destaco ainda a importância de atendimento dessas mulheres no contexto da Educação Profissional, Científica e Tecnológica como estratégia de cumprimento da nossa missão institucional e especialmente, como ponto de equilíbrio dentro de um ambiente em que, muitas vezes, a formação humana e cultural pode ficar à margem do processo educativo se comparada à formação técnica estrita, além da ampliação de possibilidades de trajetórias formativas para as mulheres estudantes. Falar da minha identificação com este programa é falar da minha identificação com as mulheres que precisam encontrar tempo para estudar, trabalhar, cuidar dos filhos, da casa, dos pais, dentre outras tarefas que desempenhamos. Ter acesso à educação formal em diferentes níveis gerou oportunidades na minha vida pessoal e profissional e me ajudou a ler o mundo em que vivo, por isso, venho defendendo e luto para que mulheres, em qualquer idade, tenham seus direitos garantidos, incluindo o acesso à educação e ao mundo do trabalho, o que com certeza, transformará suas relações com as pessoas, suas comunidades, e consequentemente, a qualidade de suas vidas em todos os aspectos.


2. Em uma sociedade onde os nossos governantes e gestores são majoritariamente do gênero masculino, como você entende o seu papel sendo a mulher com um dos cargos mais altos em nossa instituição?

Em primeiro lugar devo dizer que estar na posição profissional em que estou hoje é uma grande responsabilidade pelos desafios e pela possibilidade de representação que ele significa. Tenho convicção de que o caminho para chegar aqui foi tão somente o da busca do conhecimento, da capacitação profissional e do trabalho sério e comprometido que sempre procurei desenvolver. Desde que entrei na instituição, há 17 anos, na então Escola Agrotécnica Federal de Ceres, as oportunidades foram aparecendo e sempre as encarei com coragem e vontade de contribuir com o coletivo, não sendo a principal motivação o desejo de assumir cargos elevados. Digo isto porque, neste momento, passei a refletir mais sobre essa questão e confesso que tenho me dado conta do quanto a comunidade interna, em especial as mulheres, tinham anseio de ver uma mulher na gestão central no IF Goiano e como estão se sentindo representadas (muitas têm me falado isto). Isto é muito significativo porque os primeiros campi que compuseram o IF Goiano sempre foram espaços mais ocupados por homens, principalmente pela característica dos cursos ofertados. Essa configuração começou a mudar em 2008, quando houve a criação do IF Goiano e a oferta de cursos, especialmente as licenciaturas, que trouxeram mais mulheres professoras e estudantes para a instituição e também pelo fato de ter havido a construção de residências estudantis femininas em alguns campi. Na minha trajetória profissional também encontrei oposição e resistências, por isso compreendo que esse processo representa a quebra de paradigmas e superação de preconceitos nos lugares de decisão, a abertura do caminho para que outras mulheres vislumbrem a possibilidade de chegar e cheguem a estes cargos no IF Goiano, e a discussão e proposição de políticas internas voltadas às necessidades e condição das mulheres servidoras, estudantes e da comunidade.


3. Como é a coexistência da Geísa mulher, da Geísa profissional e da Geísa mãe?

A Geísa mulher, mãe e profissional é uma só! Essa afirmação parece óbvia, mas o destaque deve-se ao fato de eu tentar ser inteira em tudo o que faço e entender que os papéis se misturam nas diferentes esferas onde atuo, apesar de saber que um se sobressai ao outro, dependendo da situação. Hoje com mais idade, maturidade e filhos rapazes, consigo equilibrar melhor os diferentes papéis que exerço na sociedade, buscando sempre me planejar e estabelecer uma escala de prioridades, mas nem sempre foi assim. Lembro-me de um episódio ocorrido quando eu fazia o mestrado sem ter deixado de trabalhar. Um dia eu estava bem atarefada estudando, rodeada de livros e tentando escrever a dissertação enquanto meus 2 filhos (na época, com 10 e 5 anos) brincavam pela casa e faziam bastante barulho. Quando pedi que ficassem mais quietos para que eu conseguisse me concentrar, o mais novo virou-se para mim e perguntou: “Mãe, pra que mesmo esse mestrado?”. Confesso que naquele momento, me fiz a mesma pergunta e a culpa bateu. Tentei explicar a ele, mas penso que tudo que ele queria naquele momento, era minha presença de mãe e não ter que me dividir com os livros e uma dissertação. Nunca esqueci esse episódio que fez me amadurecer, redirecionar algumas ações e principalmente me esmerar para que meus filhos, meu esposo e minha família fossem minha prioridade e entendessem a minha atuação profissional. Como profissional não sou insubstituível, porém como mãe posso fazer muita falta na vida dos meus filhos. Tenho convicção de que minha identidade não é definida somente pelo que eu faço, mas também pelo que eu sou a partir dos valores e princípios que regem minha atuação no mundo, da certeza das minha limitações e fraquezas e da fé que me leva na direção da Graça que me sustenta todos os dias e que me dá sentido para viver e atuar como mulher, profissional, mãe e esposa, buscando influenciar as pessoas ao meu redor com meu trabalho, que traduz aquilo que penso, creio e sou.


4. Infelizmente, muitas mulheres se deparam com frequente preconceito no âmbito profissional por escolherem profissões e ocuparem espaços socialmente designados aos homens. Levando em consideração as questões citadas acima e outras questões sociais, faça uma reflexão sobre qual deve ser o lugar da mulher na sociedade.

Hoje, por conta da sociedade em que vivemos, baseada em valores e princípios machistas, há uma competição entre homens e mulheres pela conquista de espaço social e no mundo do trabalho. Esta situação se estabelece pela história de dominação masculina que experimentamos ao longo do tempo e que fez com que a partir dos movimentos feministas no Brasil e no mundo, as causas e direitos das mulheres viessem à tona, na busca de igualdade de oportunidades e direitos. Para usar a figura citada pelo educador Demerval Saviani, no livro “Escola e Democracia”, poderíamos dizer que a concorrência entre homens e mulheres na sociedade atual reflete o movimento de “curvatura da vara” para o extremo oposto da dominação masculina, com o intuito de se chegar ao equilíbrio. No meu entender, a situação de equilíbrio se configuraria pelo entendimento de que homens e mulheres são iguais no desenvolvimento de suas competências no âmbito profissional. Reconhecendo que estamos muito distantes desse almejado equilíbrio, reafirmo a necessidade de continuarmos enfrentando e combatendo os assédios, preconceitos, violências explícitas ou simbólicas e desigualdades vividas pelas mulheres, por meio de conscientização, debates e formulação de políticas públicas e institucionais. Ao mesmo tempo, defendo a busca de estratégias de convivência que reafirmem as competências das mulheres na conquista do seu espaço, em todas as instâncias da sociedade.


5. A partir de sua experiência, qual mensagem de motivação, força e empoderamento você poderia dizer para nossas estudantes, servidoras e mulheres da comunidade local?

Queridas servidoras, estudantes e mulheres da comunidade local: apesar da caminhada ser árdua e lenta, precisamos lembrar das conquistas que, nós mulheres, já alcançamos até aqui, fruto de muito embate, mas também da determinação de muitas e muitos que não se deixaram intimidar. Lembremos de Maria da Penha que sofreu tanta violência, mas que pela sua resiliência e determinação, legou a nós uma Lei que protege as mulheres no Brasil há 10 anos. Não nos esqueçamos do caso da Mariana Ferrer que tem sofrido as injustiças de um sistema maculado pelo machismo, provocando em nós repúdio e ao mesmo tempo a vontade de perseguir o alvo de ter mais mulheres nas instâncias de poder no nosso país. Deixo aqui mais algumas palavras de encorajamento, que têm me ajudado como pessoa e profissional. Tenham clareza dos seus objetivos e prioridades; estabeleçam uma rota planejada de crescimento pessoal e profissional, lutem pelo que vocês almejam. Saibam aproveitar as oportunidades e busquem discernimento para fazer escolhas: há momentos de avançar, mas também de recuar. Quando intentei fazer o doutorado, tinha convicção de que gostaria de estudar com licença para capacitação integral, para isto, recusei um cargo de direção; naquele momento, eu tinha convicção do que era mais importante. Desenvolvam suas competências (pontos fortes), busquem capacitação e formação constantes e tenham clareza dos seus limites e fragilidades (pontos fracos) com o intuito de aperfeiçoá-los e de buscarem ajuda, se necessário. Trabalhem e estudem com comprometimento e ética. Não se intimidem diante de preconceitos, palavras de menosprezo e desencorajamento. Saibam que os obstáculos podem aumentar na medida em que reafirmarmos nossa condição de mulher e as possibilidades de construir outras referências institucionais e sociais. Fujam da tentação de querer agradar a todos, isto pode nos desviar do foco e nos colocar numa situação de constante frustração e culpa. Busquem viver em paz com as pessoas ao seu redor, cultivando o amor, a misericórdia, a compreensão e o perdão. Sejam humildes, tenham disposição para reconhecer seus erros, aprender sempre e se reinventarem diante dos desafios que com certeza virão. Não pensem de si mesmas nem além nem aquém do convém, procurem o equilíbrio mental, físico, emocional e espiritual. Cultivem a gratidão, demostrando contentamento com a vida, sem, contudo, deixar a indignação, quando necessário. Estejamos firmes, somos todas “ marias, marias da penha e marianas” com força, raça e gana sempre, misturando a dor e a alegria, juntas na luta em prol de uma instituição mais plural e de uma sociedade mais justa e inclusiva.

 

 

Entrevistada: Aliny Karla da Cunha


Aliny Cunha, à dir., ao lado de sua amiga e colega de campus Gilsilene Castro

 

Descrição profissional: Analista de Sistemas, bacharela pela Universidade Estadual de Goiás (2008), especialista em Gestão de Recursos Humanos pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguá (2010) e mestra pelo programa Profissional em Administração, pelas Faculdades Alves Faria. É servidora efetiva do Instituto Federal Goiano, no cargo de Assistente em Administração, exercendo atualmente, dentre outras atividades, gestão de planejamento, orçamento, administração e finanças.


1. Em seu trabalho você lida diretamente com questões de orçamento, planejamento e finanças do Campus Ceres. Trazendo um pouco da sua realidade profissional para o âmbito social das mulheres, o que você diria sobre a importância da independência financeira delas para o contexto que vivemos?

Autonomia financeira significa controle da sua própria vida e das suas decisões. É liberdade para ficar e também para ir embora, se for o caso. Ser independente financeiramente nos empodera, nos torna mais confiantes em nós mesmas e na nossa capacidade de enfrentar as adversidades que os caminhos nos apresentam. Sem contar que o mundo do trabalho é uma rica experiência de aprendizado e autoconhecimento, proporcionando desafios diários e nos instigando a crescer. Eu não me vejo dependendo financeiramente de quem quer que seja, gosto de ter o poder de decisão nas mãos, mas respeito de forma irrestrita quem opta por se dedicar ao lar e à família, desde que seja uma escolha e não uma imposição.


2. As nossas estudantes possuem poucas referências femininas em cargos de gestão, como você se sente, tendo sido, durante muito tempo a única mulher em um cargo de gerência no Campus Ceres? Você se sente uma referência para essas estudantes?

Ser a única mulher na gestão, por algum tempo – isso nos referindo apenas a cargos de direção e gerência – é algo que nos leva a reflexões mais abrangentes. Historicamente, mulheres são mais cobradas, questionadas e às vezes até desmerecidas. Ser gestor, por si só, já te coloca em evidência e como alvo de críticas. Ser mulher e gestora nos coloca na obrigação de provar cotidianamente nossa competência e merecimento por estar no cargo. Não é uma tarefa fácil, é desafiador. E às vezes muitas mulheres desistem de assumir cargos de confiança antes mesmo de tentar, intimidadas pelas cobranças exacerbadas que a sociedade, fundamentalmente machista, nos impõe. Então, ser mulher e estar ocupando um cargo de gerência desde 2014 é motivo de muito orgulho, por poder transmitir que somos tão capazes quanto qualquer homem para assumir cargos de destaque dentro de qualquer instituição. Não me vejo como exemplo ou referência e sim como uma personificação de algo possível.


3. Como é a coexistência da Aliny mulher e da Aliny profissional?

Acredito que a Aliny mulher, com suas crenças, ideologias e convicções, contribui fortemente para a profissional que me tornei. Uma mulher que ama o que faz e, talvez, por isso se dedique de corpo e alma para cumprir com precisão tudo que se dispõe a fazer. Já ouvi várias vezes que me dedico tanto ao trabalho porque não tenho marido ou filhos. O que me entristece é que inúmeras vezes essas falas emanam de mulheres, que ao meu ver deveriam incentivar boas atuações profissionais de outras mulheres, independentemente da vida particular. Não concordo que família seja impedimento para que tenhamos cada vez mais mulheres ativas no mercado de trabalho. O empecilho talvez esteja no pensamento enraizado de que a mulher seja a única responsável por cuidar da família, quando na verdade família corresponde a cuidado mútuo.


4. Infelizmente, muitas mulheres se deparam com frequente preconceito no âmbito profissional por escolherem profissões e ocuparem espaços socialmente designados aos homens. Levando em consideração as questões citadas acima e outras questões sociais, faça uma reflexão sobre qual deve ser o lugar da mulher na sociedade.

Como bem desmistificado no tema proposto para o IF Mulheres desta edição, lugar de mulher é onde ela quiser! Onde ela se sinta realizada e feliz. Que um rostinho bonito não seja usado como demérito para o sucesso, que a roupa que escolhemos vestir não seja usada para julgamentos equivocados ou como desculpa para agressões. Deve nos ser permitido conhecer, aprender, tentar, ousar e, por que não, desistir, mudar de ideia e correr atrás de outro sonho. Lugar de mulher é em casa, no trabalho, na academia, no barzinho, na praia, descansando, lendo um livro, dançando, sorrindo e sendo ela mesma.


5. A partir de sua experiência, qual mensagem de motivação, força e empoderamento você poderia dizer para nossas estudantes, servidoras e mulheres da comunidade local?

Sonhem, sonhem alto, acreditem em vocês e corram atrás dos seus objetivos. Que cada vez mais mulheres passem a olhar para as outras com empatia – muitas vezes tudo que precisamos ouvir é um “vai lá, você consegue”. Não permitam que mentes mesquinhas as façam desistir. Que críticas, questionamentos e comentários maldosos sejam um impulso ainda maior para realizar tudo que temos vontade. Obstáculos sempre existirão pelos caminhos, mas que eles nunca sejam motivos para desistir, sejam apenas pausas para refletir e buscar melhores soluções. 

 

 

Entrevistada: Eliane Vieira Rosa

 

Descrição profissional: Bióloga licenciada pela Universidade Estadual de Goiás (2000), mestra em Biologia pela Universidade Federal de Goiás (2004) e doutoranda pela Universidade de Brasília. Professora efetiva no Instituto Federal Goiano desde 2009, lotada no Campus Ceres, onde, dentre outras atividades, exerceu a função de Coordenadora do Curso Superior de Licenciatura em Ciências Biológicas.


1. Sendo bióloga, durante a sua formação você lidou frequentemente com questões biológicas acerca do corpo da mulher. Socialmente, esse corpo possui muitas imposições violentas, inclusive sexual. Como você enxerga essa subestimação, objetificação e violação ao corpo da mulher?

Infelizmente a sociedade atual, em pleno 2020, ainda é extremamente desigual para com as mulheres. A objetificação das mulheres é algo evidente seja nas propagandas de diferentes produtos ou em conversas entre grupos de pessoas. E poucos percebem a gravidade deste comportamento que, muitas vezes, tenta legitimar e justificar determinadas atitudes tais como: as violências sofridas pelas mulheres, a baixa representatividade feminina em determinadas áreas e/ou locais de trabalho. Esta cultura sexista de que a mulher seria inferior e o comportamento familiar de uma parte considerável da sociedade onde claramente ocorre o menosprezo às opiniões, às vontades e às potencialidades femininas, associado à imposição dos comportamentos ditos "ideais", sem dúvida contribuem para muitas mulheres permanecerem caladas perante os atos de violência. E [contribuem também] para a permanência de ações passivas e desestímulo perante ideais e sonhos. Fico extremamente feliz em ver esta temática sendo abordada por uma instituição de ensino e mais ainda pela abertura do Campus Ceres, porque temos que estimular o fim desta cultura de que a mulher é um objeto para apenas servir aos outros, sem desejos e sem capacidade profissional. E é papel das instituições de ensino, em conjunto com a família, abordar e enfatizar estas temáticas buscando sempre incentivar o respeito, em todos os âmbitos, a empatia, para que possamos contribuir para a formação de um cidadão com atitudes melhores e possamos ter um mundo com mais equidade e menos violência.


2. Você já teve a percepção de que a sua capacidade profissional foi questionada no ambiente de trabalho, tendo como argumento de desqualificação o fato de você ser mulher? Se sim, o que você sentiu?

Ao longo da minha carreira de docente, com 21 anos trabalhando em diferentes instituições de ensino, assumindo não somente a sala de aula, mas outros cargos de forma simultânea, estive em contato com situações boas e ruins. Dentre as ruins, algumas constrangedoras e desnecessárias, onde colegas (homens, em sua maioria) emitiram comentários, sugestões, ou opiniões de cunho machista de forma a subestimar meu trabalho ou duvidar que eu conseguiria exercer determinada atribuição/função por ser mulher. Entretanto, sempre busquei demonstrar minha capacidade tratando de forma respeitosa a todos, de maneira que muitos, inclusive, mudaram seus pensamentos ao longo do trabalho comigo e perceberam com o tempo que eu era e sou uma profissional capaz, assim como eles. Foi extremamente desagradável, em muitos momentos, ter que exercer o que me era atribuído sabendo que muitos até desejavam que eu não obtivesse sucesso para provar que "mulher não serviria para aquele cargo". Sei que trabalhar com seriedade, com ética, respeito e empenho, foram os fatores que permitiram que fossem se desfazendo os pensamentos de que eu não era qualificada por ser mulher. E sei que continuamente algumas destas atitudes desagradáveis irão ocorrer, porque infelizmente o machismo está internalizado em muitas pessoas, mas não deixo que isso interfira em meus objetivos e nem me abale. Obviamente que fico chateada, mas não deixo que seja algo que me faça desistir ou desanimar. Afinal, todos são capazes de exercer o que têm vontade e correr atrás de seus sonhos.


3. Como é a coexistência da Eliane mulher, da Eliane profissional e da Eliane mãe?

A Eliane profissional, mulher e mãe coexistem juntas. A profissional já passou por diversas situações ruins relacionadas a machismo e a pessoal passou e ainda passa, por ser alguém que não tem medo de ir em busca dos seus sonhos. E estas duas buscam fazer da Eliane mãe alguém que tenta ensinar ao filho que é muito errado e feio ter preconceitos e agir de forma preconceituosa, promovendo a desunião entre as pessoas. [A Eliane mãe] tenta passar a mensagem que as diferenças são normais, que cada um tem suas escolhas pessoais/profissionais, que todos merecem respeito e que devemos nos colocar no lugar do próximo nas diferentes situações que ocorrem. As três "Elianes" estão conectadas no sentido de serem lutadoras, de terem passado por momentos de superação e continuarem acreditando que conseguem alcançar o que desejam. Uma complementa a outra.


4. Infelizmente, muitas mulheres se deparam com frequente preconceito no âmbito profissional por escolherem profissões e ocuparem espaços socialmente designados aos homens. Levando em consideração as questões citadas acima e outras questões sociais, faça uma reflexão sobre qual deve ser o lugar da mulher na sociedade.

Sempre acreditei que devemos trabalhar em prol de incentivar positivamente a todos a fazerem o que gostariam de fazer e mostrar às pessoas que seus ideais/desejos podem ser alcançados, bastando se empenhar e não desistir. Entretanto, nem todos pensam como eu, e há muitos que, apesar de se manifestarem em favor da equidade, agem de forma contrária.

Infelizmente essa “dúvida” e, em alguns casos, “certeza” em relação à não competência da mulher para determinados cargos só demonstra o enraizamento de uma cultura machista e sua propagação ao longo das gerações (problemática maior ainda se considerarmos as questões raciais). Fomos criadas com termos como “brinquedos para meninas”, associando a mulher a profissões/funções diferentes dos meninos, desde a infância. Na adolescência em diante, o incentivo aos esportes diferenciados para cada sexo e, também a presença constante de comentários maldosos que ofendem, tal como “isto é coisa de homem” ou “seja uma mulher para casar” ou “esta profissão é trabalho de homem”. E, ao longo da vida adulta, há a cobrança por parte de algumas famílias para que a mulher se case, tenha filhos, “seja uma boa esposa” – só que estas decisões sobre o futuro são únicas e exclusivas da própria pessoa. Estes são apenas alguns exemplos de atitudes, que, por mais que pareçam inocentes, são incentivadoras de comportamentos preconceituosos (e até violentos), nos quais a mulher sempre é taxada como a mais fraca, a que não “serve” para determinado cargo, a que deve se tornar uma adulta apenas para servir, devendo deixar de lado seus sonhos e metas. Obviamente e, ainda bem, nem todas as famílias e nem todas as pessoas agem desta forma (sabem que todos somos iguais). E é extremamente importante que as pessoas se lembrem que lugar de mulher é onde ela quiser. Que ela pode sim, na infância, brincar com brinquedos e praticar esportes ditos “de meninos”. Que ela pode sim, escolher a profissão que tem vontade. Cada indivíduo deve fazer o que o faz feliz e deve ser o responsável por suas escolhas.

Acredito e espero que mudanças ocorram, mesmo que lentamente, em prol de mais respeito e incentivo às mulheres e para garantir que tenhamos mais representatividade. Por fim, ressalto que esta luta deve continuar, afinal nós somos capazes quando lutamos por nossos ideais, porém é bem evidente o quanto precisamos lutar bem mais para conseguir o mesmo que os homens.


5. A partir de sua experiência, qual mensagem de motivação, força e empoderamento você poderia dizer para nossas estudantes, servidoras e mulheres da comunidade local?

Nós, mulheres, podemos e devemos ir atrás de nossos sonhos e metas, sejam estes quais forem. Não existe gênero superior ou inferior. E apesar de, muitas vezes, ser cansativo e repetitivo demonstrarmos isto, por ser tão óbvio, devemos continuar com esta “luta”, em busca da equidade, enquanto existirem pessoas que duvidam de nossa capacidade. Nós temos os mesmos direitos que todos os outros gêneros, mesmos deveres e mesma capacidade. Basta empenho e dedicação. Somos Homo sapiens sapiens (aquelas que sabem que sabem) e sabemos do que somos ou não somos capazes de fazer, assim como os demais gêneros. Temos sentimentos, sonhos, opinião e competência... E cabe somente a cada uma de nós a decisão sobre o destino de nossas vidas. Se vamos ser professoras, políticas, cabeleireiras, mecânicas, comandantes de aeronaves, presidentas, cuidadoras etc... cabe a nós esta decisão. O importante é fazer o que te faz feliz e não se deixar anular para agradar a uma sociedade ou pessoa. Mas, para isso, precisamos agir. Sem medo... levantem a cabeça e busquem sua felicidade. A vida passa e a nossa vida (mulheres) e nossa felicidade são importantes.

Finalizo dizendo para as meninas/mulheres: tenham coragem e cuidem de si, pois em um mundo onde o machismo ainda é predominante, corremos muito risco o tempo todo e devemos ficar atentas, porque estamos muito expostas à violência. Aos meninos/homens: aprendam a olhar para as mulheres além do corpo e respeitem nossa humanidade.

 

 

Boletim IF em Movimento

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