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Nepeds (entrevista completa do Boletim IF em Movimento)

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Publicado: Sexta, 13 de Novembro de 2020, 19h47 | Última atualização em Terça, 01 de Dezembro de 2020, 02h01 | Acessos: 394

Entrevista integrante do Boletim IF em Movimento (dez/ 20)

Você conhece o Nepeds?

A sigla representa um dos núcleos mais novos do Instituto Federal Goiano – o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Diversidade Sexual e de Gênero. Previsto para existir nos campi e Reitoria, ele tem como objetivo assegurar que atividades de pesquisa, ensino e extensão pautem questões referentes às relações de gênero como construção social, através da promoção do diálogo sobre diversidade sexual e de gênero e da proposição de programas, projetos e atividades que promovam uma instituição plural.

No ano de 2020, o Nepeds do Campus Ceres promoveu e participou de diversas ações. Entre elas, esteve diretamente envolvido na luta pela visibilidade da comunidade não heterocisnormativa próximo ao dia do orgulho LGBTQIA+ o que culminou em uma retratação institucional, ocorrida no dia primeiro de julho. Promoveu uma mesa-redonda sobre LGBTQIA+fobia durante a Semana Pedagógica do Campus Ceres, também no mês de julho. Apoiou e ajudou na organização da palestra “Além do arco-íris” que ocorreu dia no 04 de setembro no Café com Novas Ideias, na Reitoria do IF Goiano. Apoiou na organização e participou do curso de formação “Escrevivências LGBTs”. Posicionou-se juntamente com os Nepeds de outras unidades acerca de imagens não representativas dentro do IF Goiano, no sentido de orientar os nossos gestores. Criou os projetos IF Mulheres e Sororidade no IF Goiano.

Ainda em desdobramento, estão as propostas de atividades para o II Integra IF Goiano e mesa-redonda sobre a temática LGBTQIA+, dentro do evento, em que o Núcleo participar. A atuação em parceria com a Comissão de Visibilidade e Representatividade das Minorias do IF Goiano, em que participa da escrita de um projeto de extensão. E, por fim, produção, junto ao Neabi, um capítulo de livro que abordará o Ensino a Distância, especialmente durante a pandemia de Covid-19.

Para esta edição de dezembro de 2020 do IF EM MOVIMENTO, o Nepeds entrevistou a beletrista Thaïs Galdino, de 35 anos, licenciada em Letras/ Português pela Universidade Federal de Goiás. Proprietária de um ateliê de curso de línguas e de dança, ela é professora de francês, inglês e zumba. A Thaïs se descobriu como uma pessoa intersexo aos 20 anos de idade e, embora uma porcentagem considerável de pessoas se enquadre nesta classificação (quase 2% da população mundial), a intersexualidade ainda é tratada com muito preconceito. Com base em sua vivência e em suas leituras sobre o tema, Thaïs respondeu as questões que seguem.


1. Em um mundo normalizado a partir do binarismo do sexo biológico – feminino e masculino –, o que representa a existência de uma pessoa intersexual?

Somos pessoas com corpos que nascem com características de ambos os sexos, devido a uma anomalia nos cromossomos, e que não se encaixam nos modelos socialmente aceitos e impostos como corpo masculino ou corpo feminino por serem portadores de órgãos reprodutivos e anatomia sexual que destoam da tipificação binária considerada como normal. Sendo assim, sofremos por não sermos aceitos(as) tais como somos e, na maioria dos casos somos submetidos as cirurgias “mutilações” impostas pelos médicos e até mesmo pelos próprios pais para corrigir nossa genitálias a fim de nos “encaixar” na regra da normalidade padrão da sociedade, se é que algum dia existiu este padrão. Sendo assim, somos os dois lados e ao mesmo tempo, nenhum.

 


Thaïs Galdino, entrevistada da edição dez/ 20 da coluna Nepeds, no Boletim IF em Movimento


2. A construção social de gênero é criada a partir da limitação da identificação e manifestação de gênero com base no sexo biológico atribuído ao ser-humano desde o nascimento – daí surgem várias expectativas sociais impostas a este indivíduo. A partir disto, como se dá a identificação e manifestação de gênero na vida de uma pessoa intersexo?

Durante muito tempo a pessoa intersexual foi vista como um ser hermafrodita, como um indivíduo andrógino, homossexual, bissexual, transexual ou assexuado. Era comum até dizer-se que a pessoa com tais características constituía uma aberração sexual, posto ser portadora de dois órgãos sexuais (masculino e feminino) externos por conta da deformação congênita de sua genitália. Para o bem da ciência e felicidade dos intersexuais esses termos estão ultrapassados, caíram em desuso; são, em uma só palavra, anacrônicos. A ausência de conhecimentos da comunidade científica de outrora a respeito da correta identidade sexual do indivíduo portador de genitália ambígua, [limitada] ao incipiente exame dos órgãos sexuais externos, permitia inferir, de afogadilho, quando do seu nascimento, que era do sexo masculino ou feminino; nunca intersexo.

“Essa identificação sexual, feita açodadamente por médicos na maternidade ou por parteira leiga, nos tugúrios longínquos de nosso imenso país, propiciava equívocos no registro civil de nascimento que somente mais tarde, quando a pessoa atingia a idade púbere ou núbil, após exame criterioso de profissional médico e entrevista do indivíduo intersexo, podia ser efetivamente determinada. Outro entrave para a identificação de gênero no registro civil do intersexo, que ainda persiste, é a própria Lei dos Registros Públicos, que não permite o registro de sexo dúbio ou incerto. Por isso, diferentemente dos transexuais, a pessoa intersexo enfrenta barreiras nos cartórios para obter a redesignação de gênero, motivo que a leva obrigatoriamente a postular a mudança de sexo e de nome em processo judicial.” (OS CORPOS REFEITOS: A INTERSEXUALIDADE, A PRÁTICA MÉDICA E O DIREITO À SAÚDE, Ana Carolina Gondim de Albuquerque Oliveira, 2019).

Mas atualmente, com o avanço dos estudos interdisciplinares, é possível compreender e aceitar a condição biopsicológica da pessoa intersexual, pela multiplicidade de casos já solucionados no campo das ciências médicas, jurídicas e sociais. Essa circunstância permite a menção, em seu registro de nascimento, da referida diversidade sexual até que a idade adulta possa, a critério da pessoa interessada, definir o sexo predominante. Observado esse rito, deve constar definitivamente no campo específico de sua certidão de nascimento o gênero que escolher em face de sua identidade psíquica.


3. Quais são as violências impostas aos corpos intersexuais? Como você lidou com estas questões?

Muitas pessoas intersexuais têm má formação da genitália, ou até mesmo os dois órgãos, feminino e masculino, com isso, os intersexos sofrem intervenções cirúrgicas. Nesse processo, as cirurgias são realizadas quando a pessoa intersexual ainda não tem condição de decidir ou até mesmo maturidade para tomar uma decisão tão complexa. A maioria das pessoas intersexos foram submetidos ao processo cirúrgico, mas, felizmente no meu caso eu tive a sorte de ter apenas meus cromossomos “diferentes” não precisando de uma intervenção.

Descobrir quem sou, aceitar meu ser e minha sexualidade – e expressar tudo isso – não foi difícil para mim. O complicado foi não ser respeitada pelo que sou, como sou e quem sou. As pessoas queriam saber se eu era um garoto ou uma garota, ter uma definição exata do que sou e, eu sempre respondi Sou os dois em nenhum!


4. A orientação sexual também é padronizada do ponto de vista binário e é validada socialmente apenas dentro de um padrão heterocisnormativo. Como esta construção social prejudica a vida amorosa de uma pessoa intersexo?

Nós, intersexos, sofremos como toda a comunidade LGBTQIA+, pois nossos parceiros sentem medo, e sofrem discriminação e intolerância por estarem com pessoas cuja sexualidade vai além dos padrões e das normas impostas pela sociedade.


5. Qual mensagem você deixa para os nossos leitores no sentido de contribuir para uma sociedade mais justa, mais humana e mais plural?

Espero, um dia, ver seres mais humanizados, mais tolerantes, [e um mundo] onde a diversidade seja um motivo de união e não de desigualdade, onde o sexo nada mais seja que uma parte de nossa fisiologia e de nosso ser carnal e, não normas, padrões ou estereótipos definidos pela sociedade.

 

 

Boletim IF em Movimento

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