Desafios para o aprendizado e o futuro trevoso das licenciaturas
Abertura do Workshop de Educação do Campus Ceres abordou, por um lado, as perspectivas de um ensino menos mecânico e mais humanizado, e, por outro, a realidade nada promissora da formação de professores no Brasil
Por Tiago Gebrim
Fotos: Tiago Gebrim
Na última quinta-feira, 3 de abril, o Campus Ceres do Instituto Federal Goiano (IF Goiano) realizou seu quinto Workshop de Educação, Conhecimento e Inovação. Com o tema Como as pessoas aprendem?, a edição ocorreu em três dias, comungando atividades para estudantes das licenciaturas e do mestrado em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT), e para os professores já atuantes na região. A solenidade de abertura trouxe os professores Maria Flávia Bastos, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) e Gustavo Ferreira, prata da Casa. Enquanto Bastos trouxe uma palestra alinhada ao tema do evento, Gustavo, falando em seguida, abordou os tempos trevosos para a licenciatura no Brasil.
O coordenador do workshop, Jozemir Miranda, diretor de Ensino da Casa, chamou atenção para a relevância do tema para quem está e para quem vai entrar na área da Educação: “Todos nós aqui somos de gerações diferentes, e a gente tem uma ideia de como cada um aprende antes e como aprende hoje. A educação virtual é um direito, mas para alguns, ela pode ser também um privilégio, uma conquista, um recomeço ou até mesmo um desafio. E o acesso à educação inclui uma pessoa que às vezes não é tão valorizada como deve ser, que é o professor, que é a professora”, afirmou, durante a fala de abertura.
Na mesma linha discursou a gerente de Pós-Graduação, Pesquisa e Inovação do Campus, Rhanya Rodrigues: “Em um cenário educacional em constante transformação, entender [o que faz e motiva o aprendizado] é o primeiro passo para construirmos metodologias mais eficazes, ambientes de ensino mais inclusivos e experiências de aprendizado mais significativas”, afirmou. “É nesse espaço de troca que ideias se encontram, experiências se somam e novas perspectivas surgem”, concluiu a docente.
Descontraído, o diretor-geral da unidade, Adriano Braga, agradeceu a participação dos estudantes e servidores envolvidos na realização do workshop. “É muito satisfatório quando a gente vê pessoas da Casa unidas em prol de um evento assim, que tem muita representatividade”, disse. Ele enalteceu ainda a participação de membros da comunidade de Ceres e de cidades próximas, como Itapaci, que, mesmo com a distância, se fizeram presentes para prestigiar o evento.
Como as pessoas aprendem, afinal - “Com afeto”, respondeu, de pronto, Bastos, ao questionamento fundamental: como as pessoas aprendem? Foi sobre esse aspecto que a comunicóloga desenvolveu sua linha de pensamento, que enalteceu a importância da formação de vínculos prazerosos. Fazendo alusão às suas experiências na época do doutoramento, ela provocou: “As pessoas aprendem, sim, com a dor, também. Mas é preciso? Por que insistimos nisso?”. Sua fala perpassou sobre pontos como a construção de memórias e a fruição do tempo pela perspectiva da vivência, da contemplação, fundamental para constituição de vínculos saudáveis.
"Krenak afirma que 'nosso tempo é especialista em criar ausências'", afirmou a palestrante, tratando do imediatismo dos nossos tempos e seu impacto negativo na memória - e, portanto, na capacidade de reter informações, inclusive pela âncora das emoções. “Vamos precisar de uma educação que nos dê tempo de análise, e vamos precisar exercitar nossa memória”, afirmou. Dentro desse conjunto de fatores, ela também tratou do impacto das ferramentas de AI (artificial intelligence), que, pelo excesso de automações, também colocam nossa memória em uma zona de conforto. “[Precisamos entender que] o que fica é a cena da emoção. Não são os números, as datas em si”, apontou. “Se não tivermos tempo de fazer perguntas, de examinar, observar, vamos deixar que a AI viva por nós”.
A palestrante convidada, Maria Flávia Bastos, da PUC/RS
Bastos ainda atentou o público para a importância do repertório de base, essencial, inclusive, para lidar com as automações cotidianas: “Muitos dos nossos estudantes não sabem usar corretamente as ferramentas [de AIs] porque não têm repertório para analisar a resposta. É preciso repertório para a análise crítica”. Considerando nossa sociedade como anestesiada, “que não dorme e não sofre”, a estudiosa clamou a necessidade de equilíbrio, fazendo uso, sim, da tecnologia, mas também de autores clássicos, das emoções e, principalmente, da fruição de tempo de qualidade.
O futuro distópico da Educação - A fala do pesquisador Gustavo Ferreira trouxe dados técnicos que mostram não só a redução na procura por cursos de licenciatura, principalmente os públicos e presenciais, como o aumento exponencial da oferta de cursos em instituições particulares. Confirmando uma tendência que se iniciou ainda em 2014, em 2023 as instituições particulares abocanhavam quase 89% do total de matrículas em cursos superiores. Dessas, 71,7% eram em cursos à distância. Para efeito de comparação, na rede pública, apenas 12,9% das matrículas não são presenciais.
“Quem são os destinatários destes cursos EaD? Os trabalhadores, os filhos de trabalhadores”, afirmou o professor, emendando que, no Brasil, as universidades públicas ainda permanecem pensadas para os estudantes das classes mais abastadas. Mesmo com políticas de acesso, como as reservas de vagas, a estrutura de cursos, muitos deles em período integral, além da distância, entre outros fatores, colabora para a evasão daqueles que mais precisam de uma educação de qualidade.
Falando sobre o crescente desinteresse pela carreira docente, o pesquisador apontou que, no espaço de uma década, o ingresso de jovens em cursos de licenciatura, de um modo geral, reduziu cerca de 10%, fechando o ano de 2020 com 53%. “Além disso, os professores estão saindo da docência. Professores jovens, em início de carreira, estão saindo”, afirmou. E é um fenômeno que ecoa nos ainda mais jovens: de acordo com o resultado do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2015, apenas 2,4% dos entrevistados com idade até 15 anos tinham interesse em seguir a carreira de professor.
O fenômeno da evasão, ainda durante o curso, também é marcante, no IF Goiano e em todo o Brasil. A título de exemplificação, Gustavo mostrou que, conforme dados da Plataforma Nilo Peçanha, nos cursos de licenciatura do Campus Ceres, no período de 2012 a 2021, os números de desistência superam os de concluintes: foram 67% de evadidos e desligados no curso de Química e 57% no de Ciências Biológicas, ainda que os mercados para essas áreas tenham demanda de novos profissionais.
Mas o que explica? A resposta parece já ser de conhecimento comum: precarização da carreira, com baixa remuneração e, tão crítico quanto, a desvalorização social do papel do professor. Essas são as causas para o abandono da profissão e, ao mesmo tempo, para o desinteresse do jovem em seguir a carreira docente. Juntemos isso ao envelhecimento do corpo docente propriamente estabelecido, e está formado o apagão docente.
As soluções apontadas pelo pesquisador passam pela melhoria de condições, tanto de acesso, quanto de carreira. Entre os pontos citados, estão o investimento nos planos de cargos e carreiras - principalmente nas instituições públicas, na formação continuada dos profissionais que já estão nas escolas, e, ainda, a melhoria da infraestrutura e equipamentos das escolas, criando melhores condições para exercício das atividades. Quanto aos cursos de licenciatura, é primordial investir nas condições de permanência e na qualidade da formação, aliadas às soluções já em andamento para a garantia do acesso. Mas de nada adiantará tornar os cursos mais acessíveis e de maior qualidade se não houver, do lado de fora, uma carreira atraente.
O pesquisdor Gustavo Ferreira, docente do IF Goiano
(Esq. para dir.) Adriano Braga, Maria Flávia Bastos, Jozemir Miranda, Gustavo Ferreira e Rhanya Rodrigues
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