Criado em 2020 para este Boletim, o IF Mulheres é um espaço destinado a divulgar as ações de mulheres do IF Goiano. Tendo em vista que, como frutos de uma sociedade machista, na qual a violência contra a mulher – física, verbal ou emocional – é naturalizada, elas possuem várias desvantagens sociais. Então, esta seção se configura como um espaço de luta contra a institucionalização das violências e um espaço de referência e sororidade para as nossas estudantes, servidoras e mulheres da comunidade local. Na abordagem dessa edição, realizamos entrevistas com três mulheres, que desafiaram as imposições sociais de suas épocas e vivem como mulheres à frente do seu tempo, encarando o machismo e lutando contra toda ação limitadora às suas potencialidades.
Tema: Se chorei ou se sorri, o importante é que eu sobrevivi!
A equipe desta ação agradece o espaço permitido pelos nossos gestores, trabalhamos juntos para o crescimento da nossa instituição.
Entrevistada: Mirelle Amaral de São Bernardo
Descrição profissional: Doutora em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos, mestre em Linguística Aplicada pela Universidade de Brasília (2011) e graduada em letras (Português/Inglês) pela Universidade Estadual de Goiás (2003). Atualmente, professora de Inglês/Português - INSTITUTO FEDERAL GOIANO - CAMPUS CERES. Docente permanente do programa de Mestrado em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT). Atua principalmente nos seguintes temas: Português como Língua Estrangeira (PLE); Português como Língua de Acolhimento (PLAc); Ensino Crítico de Línguas Estrangeiras; Ensino de Inglês como Língua Estrangeira.
1. Como você reflete sobre o papel das mulheres no passado, na luta pela causa feminina? Considere, também, em sua reflexão, as suas próprias vivências e a forma como o mundo mudou durante a sua jornada.
O início da história de luta das mulheres e do surgimento do feminismo é branco e de classe média. Essas eram as características das mulheres que começaram a luta por igualdade de direitos sociais. Mulheres que lutavam pelo direito de entrar no mercado de trabalho, votar, tinham em suas casas servidoras domésticas negras sem direitos trabalhistas e que eram, de certa forma, excluídas das lutas feministas.
No entanto, mais recentemente, entendemos que a revolução feminista só acontecerá quando garantirmos que “todas nossas irmãs, independentemente da classe social, assim como todos nossos irmãos, subam conosco” (DAVIS, 2017).
Contudo, nós, mulheres e homens, ainda precisamos entender o que é o femismo e as lutas femininas pela equidade de gênero. Só conseguiremos atingir uma sociedade mais justa por meio da coletividade e das discussões que clareiem o que realmente precisa ser feito. Tenho me dedicado a ler e compreender melhor o feminismo e tento, seja nas minhas relações sociais reais ou virtuais, conversar, compartilhar e discutir o assunto com meus pares.
2. Você faz parte de uma geração em que é muito cobrado da mulher o cuidado do lar, principalmente quanto à maternidade, contudo você se mostrou uma mulher à frente do teu tempo, que lutou contra esta imposição social e traçou uma carreira profissional bem sucedida. Como foi se consolidar no ambiente de trabalho e lidar com as cobranças sociais acerca do cuidado familiar?
Apesar de ter conseguido me realizar profissionalmente e ter independência financeira, isso só foi possível porque conto com privilégios dos quais muitas companheiras não podem contar. Sempre tive uma rede de apoio e pude contar com minha família, tanto financeiramente inicialmente, quanto com a colaboração de pessoas que me ajudaram a cuidar dos meus filhos para que eu pudesse estudar e trabalhar.
O tema da ‘rede de apoio’ é um dos que considero mais importantes quando nos referimos à maternidade. Mulheres não vão deixar de ser mães, mas precisamos ressignificar os papéis dentro do processo de ‘maternar’, além de discutir a importância da atuação do Estado nesse processo.
3. O conto da aia, de Margaret Atwood, é um romance fictício que se passa num futuro muito próximo na república de Gilead (anteriormente era os Estados Unidos da América). Nessa república não existem mais jornais, revistas, livros nem filmes e as universidades foram extintas. O Estado é teocrático e totalitário e as mulheres são as vítimas preferenciais, anuladas por uma opressão sem precedentes numa sociedade onde elas perderam todos os seus direitos. Infelizmente, retrocessos como este não estão apenas na ficção, a história das mulheres iranianas é um exemplo disto, a partir da revolução islâmica em 1979, as suas vestimentas foram questionadas e no início da década de 80 foi imposto um código de vestimentas obrigatório a estas mulheres. Neste contexto, fica claro a fragilidade do direito feminino, descrito pela autora Simone de Beauvoir como uma concessão temporária. Com base no texto acima, escreva sobre a importância dos movimentos feministas na sociedade brasileira.
A participação das mulheres nas revoluções e nos movimentos sociais tem sido omitida desde sempre, principalmente no que se refere ao papel das mulheres negras e das mulheres da classe trabalhadora. No entanto, sabemos que a cada crise, a cada situação de perigo, são as mulheres e as “minorias” as primeiras a perderem direitos e serem colocadas às margens. Os programas sociais e de distribuição de renda são os primeiros a serem considerados onerosos ao Estado, em situação de crise e, com isso, as mulheres, principalmente as mulheres negras periféricas, são as primeiras a serem atingidas.
Dessa forma, sabemos que os movimentos de luta feministas devem seguir firmes, mesmo depois de algumas conquistas importantes. Nós temos sido uma agência política também na luta por outras questões, como movimentos para mudanças socioeconômicas, ambientais, anticolonialistas, entre outros. E temos mostrado nossa força pela organização, porém não podemos esmorecer. A luta está só começando.
4. No seu ponto de vista, qual é o maior legado que as mulheres desta geração podem deixar para as futuras mulheres que habitarão o nosso planeta.
O legado mais importante dos últimos anos dos movimentos feministas foi o reconhecimento da Interseccionalidade. Por isso, uso o plural quando me refiro aos feminismos ou movimentos feministas. Não que eles estejam divididos ou aconteçam separadamente, mas porque todas as mulheres têm que ser envolvidas e sentirem-se parte dos ideais e das lutas. Ângela Davis, num encontro internacional sobre feminismo negro e decolonial em Cachoeira - BA, defendeu o poder de transformação da mobilização dizendo: "Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela (...)."
5. A partir de sua experiência, qual mensagem de motivação, força e empoderamento você poderia dizer para nossas estudantes, servidoras e mulheres da comunidade local?
Principalmente que só há revolução com luta coletiva. Podemos e devemos melhorar individualmente, tentando aprender mais, entender melhor, conhecer mais profundamente o feminismo, porém precisamos estar mobilizadas coletivamente para que a revolução aconteça. Seguimos juntas! Nem uma a menos!
Entrevistada: Miriam Lucia Reis Macedo Pereira
Descrição profissional: Mestre em Ciências da Educação Superior pela Universidade de Havana (2013). Especializações em: Educação Profissional na Formação EJA (CEFET-MG); Ciências Sociais (UFG); História do Brasil Contemporâneo (Uni Evangélica); Metodologia do Ensino (Uni Evangélica); Graduada em Pedagogia (UCMG) e em Direito (Uni Evangélica). Trabalha no Instituto Federal Goiano - Campus Ceres como Coordenadora de Apoio Pedagógico (CAPTG), Coordenadora do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas (NAPNE). Atuou como professora e coordenadora da área de Ciências Sociais do Curso de Pedagogia na Uni Evangélica. Ministrou aulas nos Cursos Superiores de Pedagogia e Educação Física da Universidade Estadual de Goiás; Curso de Letras - Uni Evangélica e no Curso de Direito da FACER. Trabalhou como professora dos Cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio no Instituto Federal Goiano - Ceres. Tem experiência nas áreas de Educação, Educação de Jovens e Adultos; Sociologia, História, Diversidade Cultural, Didática Avaliação e Políticas Públicas. Participou dos projetos de pesquisa da CAPES: Observatório de Educação de Jovens Adultos - OBEDUC e participa dos Grupos de Pesquisa, Saúde, Epidemiologia e Bioengenharia e Sujeitos da Educação no Instituto Federal Goiano e seus Impactos.
1. Como você reflete sobre o papel das mulheres no passado na luta pela causa feminina? Considere, também, em sua reflexão, as suas próprias vivências e a forma como o mundo mudou durante a sua jornada.
O papel da mulher, quando voltamos ao passado, traz a função de um ser destinado à procriação e para agradar o homem. Durante muitos séculos, a história registra a discriminação da mulher em relação ao homem, a submissão silenciosa, sem voz e sem direitos. Ao conceder aos homens o direito e a condição de donos do saber, da autoridade e às mulheres o papel feminino, sexo frágil, subordinado ideologicamente ao poder masculino, a história vem salientar as desigualdades.
A partir deste contexto, no caminhar da história, é importante compreender que muitas mulheres desafiaram as estruturas sociais, enfrentaram os preconceitos, lutaram pelos seus direitos, pela igualdade, propiciando o desenvolvimento e uma nova percepção para sociedade, em relação ao papel da mulher, que além de ser feminina, tinha a condição de ter sua identidade individual, seus direitos, fazer suas escolhas e, participar ativamente de outras funções como trabalho fora de casa, política, educação, além de ser mãe, dona do lar e da função de esposa.
Ao pensar na minha história, na minha infância e no caminhar da minha vida, posso descrever que vivenciei uma vida de preconceito e desigualdade social. Nasci em uma família extensa, de oito filhos. Minha mãe não tinha o primário completo. Cuidava do lar e dos filhos. Meu pai fez o curso de Teologia e trabalhou como funcionário público. Nasci com uma deficiência física, congênita, na perna esquerda e desde os dois anos passei por diversas cirurgias, para poder andar sem usar muletas.
Minha vida, devido às circunstâncias da minha deficiência, foi marcada pela segregação e pelo preconceito. Fui considerada incapaz de ter uma vida social ativa e profissional. Minha família, a partir de suas condições, me deu amor e todo apoio que puderam. Neste contexto, desde jovem, busquei lutar pelos meus direitos. Não aceitava desrespeito. Buscava, através dos estudos, aprimorar minha inteligência, habilidades e lutar pelo direito de ser tratada como igual, apesar da minha diferença.
Aprendi muito na vida. Trabalhei desde cedo, aos 14 anos, para ajudar a família. Foram anos de aprendizado. Formei-me em Pedagogia, passei em concurso municipal, estadual e fui ser professora. Trabalhei durante muitos anos em favela, onde conheci a dor, a tristeza, o desespero, a falta de uma educação que lhes dessem a condição de uma vida melhor. Trabalhar com o ser humano é surpreendente, admirável, porque quando conhecemos suas potencialidades e fragilidades, conseguimos perceber o quanto são capazes quando valorizados e tomam consciência de que podem mudar suas vidas, de lutar pelos seus direitos, e ter uma vida mais digna e produtiva.
O mundo foi mudando. O movimento feminista surgiu com maior ênfase na década de 60 e 70 e influenciou a vida de muitas mulheres, que mostraram coragem, inteligência, capacidade e habilidade de agir e fazer acontecer e de outras sujeitos que se importavam com a luta da mulher pelo seu espaço e pelo seu direito. Apoiei o movimento e continuei lutando pelo direito da mulher, passei por muitos obstáculos à procura de acabar com o preconceito, a imposição social, a desigualdade de gênero, sexo, pela valorização do trabalho da mulher e pelos direitos individuais femininos. Passei no concurso federal e continuo na luta pelos direitos das minorias, por uma educação de qualidade, pela participação da mulher no mundo do trabalho e nas ações políticas. Acredito que juntos somos mais, portanto, temos que agir, fazer acontecer, transformar o mundo a todo momento.
2. Você faz parte de uma geração em que é muito cobrado da mulher o cuidado do lar, principalmente quanto à maternidade, contudo você se mostrou uma mulher à frente do teu tempo, que lutou contra esta imposição social e traçou uma carreira profissional bem-sucedida. Como foi se consolidar no ambiente de trabalho e lidar com as cobranças sociais acerca do cuidado familiar?
Viver em um mundo onde todos os dias, nós, mulheres, somos compelidas a provar para a sociedade que somos capazes de viver o trabalho familiar em conjunto com o trabalho profissional, é difícil e desgastante emocionalmente, porque ainda vivemos sob a percepção de uma sociedade onde o olhar e a autoridade masculina, ainda prevalece.
Nestas circunstâncias, a nossa realidade é desafiadora, porque o trabalho familiar ainda não é valorizado pela sociedade, com todos os seus direitos, e quando buscamos nosso espaço de igualdade com os homens, ainda somos consideradas subversivas, que querem mudar os valores familiares, onde o homem machista tem a autoridade e a mulher deve continuar submissa, sem desejos, sem identidade. Este é um desafio contínuo, que tenho enfrentado na minha vida pessoal e no trabalho.
Fiz graduação de Direito, que era um sonho, depois dos 50 anos, porque acredito que nunca é tarde para aprender e ajudar vidas. Ampliei meus conhecimentos para compreender como as leis podem nos ajudar a vencer nossos medos, ter nossos direitos legalmente adquiridos, sem sofrer a imposição e o domínio de grupos sociais que se consideram os poderosos, capazes de nos submeter, retirando os nossos direitos e nossa liberdade pessoal de ser o que queremos ser.
Precisei acreditar em mim, perceber que posso aprender e reaprender quando necessário, como realizar todo o meu trabalho profissional. Vivenciei e ainda vivo com pessoas que se importam com o que fazemos no trabalho e buscam valorizar nossas potencialidades e habilidades. São colegas de trabalho, amigos, que abriram os olhares e perceberam que, apesar das diferenças significativas, todo ser humano tem potencial e pode contribuir para um trabalho mais eficiente e produtivo. Deus os abençoe!
Aprendi que tenho que ouvir os outros, mas também expressar minhas ideias, mesmo que não sejam aceitas ou consideradas importantes, porque somos seres humanos e o diálogo e a discussão fazem parte do que somos e o que queremos ser. Busco ter coragem e lutar para enfrentar os meus medos, os meus desafios e estou aberta a mudanças, porque acredito no ser humano, no desejo do bem, do amor, da busca da felicidade.
Para realizarmos um bom trabalho é preciso gostar do que faz e mesmo que não seja o ideal, é fundamental fazer o seu melhor. Faço o meu trabalho com amor, com desejo de acertar, buscando contribuir de forma efetiva. Tenho erros e acertos, mas isso é que é ser humano, não somos completos, vivemos aprendendo, precisamos uns dos outros, com respeito, dignidade, autonomia, sobrepujando a luta por poder, cargo, função, dinheiro, para vivermos bem, com harmonia, com nossos direitos, com as nossas individualidades, sendo reconhecidos e valorizados pelo que somos, pelo que fazemos e pelo que podemos ser.
3. O conto da aia, de Margaret Atwood, é um romance fictício que se passa num futuro muito próximo na república de Gilead (anteriormente era os Estados Unidos da América). Nessa república não existem mais jornais, revistas, livros nem filmes e as universidades foram extintas. O Estado é teocrático e totalitário e as mulheres são as vítimas preferenciais, anuladas por uma opressão sem precedentes numa sociedade onde elas perderam todos os seus direitos. Infelizmente, retrocessos como este não estão apenas na ficção. A história das mulheres iranianas é um exemplo disso. A partir da revolução islâmica em 1979, as suas vestimentas foram questionadas e no início da década de 80 foi imposto um código de vestimentas obrigatório a estas mulheres. Neste contexto, fica claro a fragilidade do direito feminino, descrito pela autora Simone de Beauvoir como uma concessão temporária. Com base no texto acima, escreva sobre a importância dos movimentos feministas na sociedade brasileira.
No mundo que vivemos, atualmente, ainda existem países onde as mulheres continuam sendo vítimas da opressão da sociedade masculina, que não permitem ter seus direitos, são marginalizadas, violentadas, banalizadas e consideradas parte do homem, que a submetem à sua autoridade, impondo condições de inferioridade em todos os âmbitos, culturais, sociais e políticos. Nessa realidade, podemos constatar o quanto a desigualdade social é perene e frágil é o direito da mulher.
Na evolução da história, em diferentes países, o espaço de ação da mulher sofreu grandes impactos e foi ampliando seu poder. Mesmo sendo do lar, obrigadas a casar, a criarem filhos, servindo seus maridos, muitas mulheres conseguiram ter voz, participar de movimentos políticos, ter liberdade sexual e de gênero, fazer escolhas significativas para sua vida, sendo exemplos para outras mulheres. Portanto, realizaram grandes mudanças, desenvolvendo ideias e ações de emancipação, buscando ter igualdade social, política e cultural.
Aqui no Brasil, ainda vivemos a desigualdade, a violência, o abuso, a marginalização e o preconceito. No entanto, muitas mulheres estão resistindo, agindo em todos os segmentos sociais, participando com garra, coragem, levando a nossa voz e nossas ideias nos movimentos políticos, culturais, econômicos e sociais, demonstrando que não estamos estagnadas.
O caminho é longo e árduo, mas precisamos continuar lutando pelo direito da mulher, realizando ações em conjunto com os movimentos feministas, buscando o empoderamento feminino, reivindicando os direitos pela igualdade entre os gêneros nos diversos cenários da sociedade. É fundamental que todas as mulheres tomem consciência da opressão e da dominação em que vivem em relação ao homem, para que juntas lutem contra essa inferioridade imposta e preconceitos existentes. É preciso conquistar os nossos direitos, nossa independência, sem desistir, buscando viver em um mundo onde somos, na amplitude da palavra, “ iguais”.
4. No seu ponto de vista, qual é o maior legado que as mulheres desta geração podem deixar para as futuras mulheres que habitarão o nosso planeta.
Somos poderosas, fortes, inteligentes, temos habilidades de liderança e potencial para vencer os grandes obstáculos que a sociedade nos impõe. A nossa liberdade de ser o que queremos e poder fazer o que precisarmos, para ser feliz, é o nosso bem maior. Para isso precisamos estar empoderadas, lutar pela equidade, pela não discriminação, por uma educação de qualidade, evitando, portanto, que as futuras gerações ainda vivam em um mundo de disparidades e desigualdades gritantes. Precisamos estar juntas nessa caminhada, buscando a felicidade um do outro, enfrentando nossos medos. Unidas no mesmo ideal, podemos vencer todas as barreiras que a sociedade, ainda dominada pelo homem, nos faz viver.
5. A partir de sua experiência, qual mensagem de motivação, força e empoderamento você poderia dizer para nossas estudantes, servidoras e mulheres da comunidade local?
Acredito que trabalhar o empoderamento é essencial para todas as mulheres, servidoras e nossas estudantes que vivem em contexto de vulnerabilidade. Observo que, desde cedo, nossas meninas, nossas adolescentes, são levadas a pensar que são menos do que os meninos e homens e, por isso, não são consideradas importantes nem suas vozes são ouvidas.
É fundamental que todas as mulheres possam compreender que são capazes, e que dentro de cada uma existe uma força, uma energia capaz de derrubar todos os obstáculos. Jamais pense que você não é capaz e que seus esforços são em vão. Valorize sua história, sua vida, pois rótulos não nos definem. Precisamos revolucionar, buscar e conquistar nosso espaço, com força e determinação. Como diz Simone de Beauvoir:
Que nada nos defina,
Que nada nos sujeite.
Que a liberdade
seja nossa própria substância...
Não podemos desistir, precisamos acreditar que tudo é possível e que podemos transformar o mundo, principalmente quando lutamos com o coração!
Entrevistada: Iraci Balbina Gonçalves Silva
Descrição profissional: Pedagoga, doutora em educação pela PUC/Goiás. Anterior ao IF Goiano, atuei como professora em todos os níveis de ensino. Fui coordenadora pedagógica do “Aprendizado Marista Padre Lancísio” e da Rede Municipal de Ensino de Silvânia/Goiás. Fui professora Efetiva da Rede Municipal de Ensino de Silvânia/GO, Rede Estadual de Ensino de Goiás e Universidade Estadual de Goiás. Atuei por 13 anos como professora formadora do Proformação, Proinfantil e Profuncionário. Em 2010 iniciei como servidora do IF Goiano e em 2012 comecei a atuar na Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação.
1. Como você reflete sobre o papel das mulheres no passado na luta pela causa feminina? Considere, também, em sua reflexão, as suas próprias vivências e a forma como o mundo mudou durante a sua jornada.
Entendo que ser mulher significa estar em luta constante e perceber que as conquistas são frágeis e precisam de vigilância. Vivemos em um mundo em que a democracia sofre de ataques e os retrocessos podem ocorrer. É preciso reconhecer que usufruímos de conquistas de mulheres do passado. Votamos, temos carreira profissional, ocupamos cargos de poder porque mulheres ousaram a desafiar a estrutura social e política. Outras mulheres virão ocupar espaços devido à luta que travamos hoje. Na minha jornada, fico sempre tentando analisar a situação para enxergar situações de preconceitos e discriminação... aos poucos vou tendo uma visão mais clara da mulher que quero ser.
2. Você faz parte de uma geração em que é muito cobrado da mulher o cuidado do lar, principalmente quanto à maternidade, contudo você se mostrou uma mulher à frente do teu tempo, que lutou contra esta imposição social e traçou uma carreira profissional bem sucedida. Como foi se consolidar no ambiente de trabalho e lidar com as cobranças sociais acerca do cuidado familiar?
Uma vez fizemos uma pesquisa com mães trabalhadoras e percebemos que quando a mulher está exercendo a sua profissão, ela carrega uma dor na consciência como se ela tivesse a obrigação de estar em casa cuidando dos filhos. No meu caso, sempre acreditei que quando estudo ou trabalho estou lutando por mim, pelas minhas filhas e por todas as mulheres. Sempre tive uma compreensão macro das minhas ações, sempre pensei que um ofício, por exemplo, é mais que um papel. Representa passos para a concretização de um projeto, de um sonho, de possibilidade de construção de uma educação melhor, de um mundo melhor. Além disso, busco focar na qualidade das minhas relações. Mais que quantidade, foco na qualidade. Converso muito com minhas filhas. Procuro, mais do que vê-las, enxergá-las...
3. O conto da aia, de Margaret Atwood, é um romance fictício que se passa num futuro muito próximo na república de Gilead (anteriormente era os Estados Unidos da América). Nessa república não existem mais jornais, revistas, livros nem filmes e as universidades foram extintas. O Estado é teocrático e totalitário e as mulheres são as vítimas preferenciais, anuladas por uma opressão sem precedentes, numa sociedade onde elas perderam todos os seus direitos. Infelizmente, retrocessos como este não estão apenas na ficção. A história das mulheres iranianas é um exemplo disso. A partir da revolução islâmica, em 1979, as suas vestimentas foram questionadas e no início da década de 80 foi imposto um código de vestimentas obrigatório a estas mulheres. Neste contexto, fica claro a fragilidade do direito feminino, descrito pela autora Simone de Beauvoir como uma concessão temporária. Com base no texto acima, escreva sobre a importância dos movimentos feministas na sociedade brasileira.
Interessante. Acho que respondi a questão na primeira resposta. Acredito que as conquistas são frágeis, pois exigem constantes vigilâncias. O mundo está estruturado na lógica machista e discriminatória, oprimindo a minoria. Cabe a nós lutar para que seja modificado, transformado. Paulo Freire alimenta a nossa esperança: a história é construída por homens e mulheres e, por nós, pode ser transformada. Devemos sempre enxergar além das aparências, pois estão sempre tentando fomentar nas mulheres o espírito competitivo. Exército dividido é exército vencido! Precisamos identificar as amarras da manipulação e ir nos libertando... De novo Paulo Freire: As pessoas se libertam em comunhão. Por isso, precisamos criar em nós um sentimento de pertença. A neutralidade é ilusória e mantém as estruturas hegemônicas.
4. No seu ponto de vista, qual é o maior legado que as mulheres desta geração podem deixar para as futuras mulheres que habitarão o nosso planeta.
Acredito que nosso maior desafio e legado seja mesmo lutar por nossas conquistas e ampliá-las. Vejo a democracia cada vez mais frágil e em risco. Precisamos auxiliar as novas gerações a enxergarem a estrutura de poder e a lutarem para transformá-las. Estamos estarrecidas com a violência contra a mulher. Como isso tem se tornando uma epidemia mundial. Precisamos lutar por políticas públicas a favor das mulheres. É preciso acolher, formar, lutar pela dignidade em todas as áreas.
5. A partir de sua experiência, qual mensagem de motivação, força e empoderamento você poderia dizer para nossas estudantes, servidoras e mulheres da comunidade local?
Retomo Paulo Freire: cuide de sua esperança, como quem cuida de um planta. Ter esperança não significa estar estática, mas perceber que grandes mudanças são baseadas em ações cotidianas. Entenda que você não está sozinha e que você é muito importante. Compreenda que força não significa violência, mas resistência. Estude muito. Perceba que sua luta não atinge apenas a dimensão pessoal. Muitas se inspiraram em você e poderão acreditar que é possível mudar as relações (intrapessoal e interpessoal). Seja fiel aos seus princípios. Foque no tipo de pessoa que você quer ser. Erros acontecem, faça deles oportunidades de aprendizagem. Olhe com carinho para você e para sua história. Faça sempre o melhor. Acolha outras mulheres. Ocupe o seu lugar na história.
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