Essa pagina depende do javascript para abrir, favor habilitar o javascript do seu browser! Ir direto para menu de acessibilidade.

Opções de acessibilidade

GTranslate

    pt    en    fr    es
Página inicial > Boletim IF em Movimento
Início do conteúdo da página

Boletim IF em Movimento

  • IF em Movimento comemora 1 ano com lançamento de página própria

    Boletim do Campus Ceres evoluiu de simples informativo para uma revista completa, com informação, entrevistas e abordagem de temas sociais

  • IF Mulheres (entrevista completa do Boletim IF em Movimento - jun/21)

    Criado em 2020 para este Boletim, o IF Mulheres é um espaço destinado a divulgar as ações de mulheres do IF Goiano. Tendo em vista que, como frutos de uma sociedade machista, na qual a violência contra a mulher – física, verbal ou emocional – é naturalizada, elas possuem várias desvantagens sociais. Então, esta seção se configura como um espaço de luta contra a institucionalização das violências e um espaço de referência e sororidade para as nossas estudantes, servidoras e mulheres da comunidade local. Na abordagem dessa edição, realizamos entrevistas com três mulheres, que desafiaram as imposições sociais de suas épocas e vivem como mulheres à frente do seu tempo, encarando o machismo e lutando contra toda ação limitadora às suas potencialidades.

    Tema: Se chorei ou se sorri, o importante é que eu sobrevivi!

    A equipe desta ação agradece o espaço permitido pelos nossos gestores, trabalhamos juntos para o crescimento da nossa instituição.

     

    Entrevistada: Mirelle Amaral de São Bernardo

    Descrição profissional: Doutora em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos, mestre em Linguística Aplicada pela Universidade de Brasília (2011) e graduada em letras (Português/Inglês) pela Universidade Estadual de Goiás (2003). Atualmente, professora de Inglês/Português - INSTITUTO FEDERAL GOIANO - CAMPUS CERES. Docente permanente do programa de Mestrado em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT). Atua principalmente nos seguintes temas: Português como Língua Estrangeira (PLE); Português como Língua de Acolhimento (PLAc); Ensino Crítico de Línguas Estrangeiras; Ensino de Inglês como Língua Estrangeira.

    1. Como você reflete sobre o papel das mulheres no passado, na luta pela causa feminina? Considere, também, em sua reflexão, as suas próprias vivências e a forma como o mundo mudou durante a sua jornada.

    O início da história de luta das mulheres e do surgimento do feminismo é branco e de classe média. Essas eram as características das mulheres que começaram a luta por igualdade de direitos sociais. Mulheres que lutavam pelo direito de entrar no mercado de trabalho, votar, tinham em suas casas servidoras domésticas negras sem direitos trabalhistas e que eram, de certa forma, excluídas das lutas feministas.

    No entanto, mais recentemente, entendemos que a revolução feminista só acontecerá quando garantirmos que “todas nossas irmãs, independentemente da classe social, assim como todos nossos irmãos, subam conosco” (DAVIS, 2017).

    Contudo, nós, mulheres e homens, ainda precisamos entender o que é o femismo e as lutas femininas pela equidade de gênero. Só conseguiremos atingir uma sociedade mais justa por meio da coletividade e das discussões que clareiem o que realmente precisa ser feito. Tenho me dedicado a ler e compreender melhor o feminismo e tento, seja nas minhas relações sociais reais ou virtuais, conversar, compartilhar e discutir o assunto com meus pares.

    2. Você faz parte de uma geração em que é muito cobrado da mulher o cuidado do lar, principalmente quanto à maternidade, contudo você se mostrou uma mulher à frente do teu tempo, que lutou contra esta imposição social e traçou uma carreira profissional bem sucedida. Como foi se consolidar no ambiente de trabalho e lidar com as cobranças sociais acerca do cuidado familiar?

    Apesar de ter conseguido me realizar profissionalmente e ter independência financeira, isso só foi possível porque conto com privilégios dos quais muitas companheiras não podem contar. Sempre tive uma rede de apoio e pude contar com minha família, tanto financeiramente inicialmente, quanto com a colaboração de pessoas que me ajudaram a cuidar dos meus filhos para que eu pudesse estudar e trabalhar.

    O tema da ‘rede de apoio’ é um dos que considero mais importantes quando nos referimos à maternidade. Mulheres não vão deixar de ser mães, mas precisamos ressignificar os papéis dentro do processo de ‘maternar’, além de discutir a importância da atuação do Estado nesse processo.

    3. O conto da aia, de Margaret Atwood, é um romance fictício que se passa num futuro muito próximo na república de Gilead (anteriormente era os Estados Unidos da América). Nessa república não existem mais jornais, revistas, livros nem filmes e as universidades foram extintas. O Estado é teocrático e totalitário e as mulheres são as vítimas preferenciais, anuladas por uma opressão sem precedentes numa sociedade onde elas perderam todos os seus direitos. Infelizmente, retrocessos como este não estão apenas na ficção, a história das mulheres iranianas é um exemplo disto, a partir da revolução islâmica em 1979, as suas vestimentas foram questionadas e no início da década de 80 foi imposto um código de vestimentas obrigatório a estas mulheres. Neste contexto, fica claro a fragilidade do direito feminino, descrito pela autora Simone de Beauvoir como uma concessão temporária. Com base no texto acima, escreva sobre a importância dos movimentos feministas na sociedade brasileira.

    A participação das mulheres nas revoluções e nos movimentos sociais tem sido omitida desde sempre, principalmente no que se refere ao papel das mulheres negras e das mulheres da classe trabalhadora. No entanto, sabemos que a cada crise, a cada situação de perigo, são as mulheres e as “minorias” as primeiras a perderem direitos e serem colocadas às margens. Os programas sociais e de distribuição de renda são os primeiros a serem considerados onerosos ao Estado, em situação de crise e, com isso, as mulheres, principalmente as mulheres negras periféricas, são as primeiras a serem atingidas.

    Dessa forma, sabemos que os movimentos de luta feministas devem seguir firmes, mesmo depois de algumas conquistas importantes. Nós temos sido uma agência política também na luta por outras questões, como movimentos para mudanças socioeconômicas, ambientais, anticolonialistas, entre outros. E temos mostrado nossa força pela organização, porém não podemos esmorecer. A luta está só começando.

    4. No seu ponto de vista, qual é o maior legado que as mulheres desta geração podem deixar para as futuras mulheres que habitarão o nosso planeta.

    O legado mais importante dos últimos anos dos movimentos feministas foi o reconhecimento da Interseccionalidade. Por isso, uso o plural quando me refiro aos feminismos ou movimentos feministas. Não que eles estejam divididos ou aconteçam separadamente, mas porque todas as mulheres têm que ser envolvidas e sentirem-se parte dos ideais e das lutas. Ângela Davis, num encontro internacional sobre feminismo negro e decolonial em Cachoeira - BA, defendeu o poder de transformação da mobilização dizendo: "Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela (...)."

    5. A partir de sua experiência, qual mensagem de motivação, força e empoderamento você poderia dizer para nossas estudantes, servidoras e mulheres da comunidade local?

    Principalmente que só há revolução com luta coletiva. Podemos e devemos melhorar individualmente, tentando aprender mais, entender melhor, conhecer mais profundamente o feminismo, porém precisamos estar mobilizadas coletivamente para que a revolução aconteça. Seguimos juntas! Nem uma a menos!

     

    Entrevistada: Miriam Lucia Reis Macedo Pereira

    Descrição profissional: Mestre em Ciências da Educação Superior pela Universidade de Havana (2013). Especializações em: Educação Profissional na Formação EJA (CEFET-MG); Ciências Sociais (UFG); História do Brasil Contemporâneo (Uni Evangélica); Metodologia do Ensino (Uni Evangélica); Graduada em Pedagogia (UCMG) e em Direito (Uni Evangélica). Trabalha no Instituto Federal Goiano - Campus Ceres como Coordenadora de Apoio Pedagógico (CAPTG), Coordenadora do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas (NAPNE). Atuou como professora e coordenadora da área de Ciências Sociais do Curso de Pedagogia na Uni Evangélica. Ministrou aulas nos Cursos Superiores de Pedagogia e Educação Física da Universidade Estadual de Goiás; Curso de Letras - Uni Evangélica e no Curso de Direito da FACER. Trabalhou como professora dos Cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio no Instituto Federal Goiano - Ceres. Tem experiência nas áreas de Educação, Educação de Jovens e Adultos; Sociologia, História, Diversidade Cultural, Didática Avaliação e Políticas Públicas. Participou dos projetos de pesquisa da CAPES: Observatório de Educação de Jovens Adultos - OBEDUC e participa dos Grupos de Pesquisa, Saúde, Epidemiologia e Bioengenharia e Sujeitos da Educação no Instituto Federal Goiano e seus Impactos.

    1. Como você reflete sobre o papel das mulheres no passado na luta pela causa feminina? Considere, também, em sua reflexão, as suas próprias vivências e a forma como o mundo mudou durante a sua jornada.

    O papel da mulher, quando voltamos ao passado, traz a função de um ser destinado à procriação e para agradar o homem. Durante muitos séculos, a história registra a discriminação da mulher em relação ao homem, a submissão silenciosa, sem voz e sem direitos. Ao conceder aos homens o direito e a condição de donos do saber, da autoridade e às mulheres o papel feminino, sexo frágil, subordinado ideologicamente ao poder masculino, a história vem salientar as desigualdades.

    A partir deste contexto, no caminhar da história, é importante compreender que muitas mulheres desafiaram as estruturas sociais, enfrentaram os preconceitos, lutaram pelos seus direitos, pela igualdade, propiciando o desenvolvimento e uma nova percepção para sociedade, em relação ao papel da mulher, que além de ser feminina, tinha a condição de ter sua identidade individual, seus direitos, fazer suas escolhas e, participar ativamente de outras funções como trabalho fora de casa, política, educação, além de ser mãe, dona do lar e da função de esposa.

    Ao pensar na minha história, na minha infância e no caminhar da minha vida, posso descrever que vivenciei uma vida de preconceito e desigualdade social. Nasci em uma família extensa, de oito filhos. Minha mãe não tinha o primário completo. Cuidava do lar e dos filhos. Meu pai fez o curso de Teologia e trabalhou como funcionário público. Nasci com uma deficiência física, congênita, na perna esquerda e desde os dois anos passei por diversas cirurgias, para poder andar sem usar muletas.

    Minha vida, devido às circunstâncias da minha deficiência, foi marcada pela segregação e pelo preconceito. Fui considerada incapaz de ter uma vida social ativa e profissional. Minha família, a partir de suas condições, me deu amor e todo apoio que puderam. Neste contexto, desde jovem, busquei lutar pelos meus direitos. Não aceitava desrespeito. Buscava, através dos estudos, aprimorar minha inteligência, habilidades e lutar pelo direito de ser tratada como igual, apesar da minha diferença.

    Aprendi muito na vida. Trabalhei desde cedo, aos 14 anos, para ajudar a família. Foram anos de aprendizado. Formei-me em Pedagogia, passei em concurso municipal, estadual e fui ser professora. Trabalhei durante muitos anos em favela, onde conheci a dor, a tristeza, o desespero, a falta de uma educação que lhes dessem a condição de uma vida melhor. Trabalhar com o ser humano é surpreendente, admirável, porque quando conhecemos suas potencialidades e fragilidades, conseguimos perceber o quanto são capazes quando valorizados e tomam consciência de que podem mudar suas vidas, de lutar pelos seus direitos, e ter uma vida mais digna e produtiva.

    O mundo foi mudando. O movimento feminista surgiu com maior ênfase na década de 60 e 70 e influenciou a vida de muitas mulheres, que mostraram coragem, inteligência, capacidade e habilidade de agir e fazer acontecer e de outras sujeitos que se importavam com a luta da mulher pelo seu espaço e pelo seu direito. Apoiei o movimento e continuei lutando pelo direito da mulher, passei por muitos obstáculos à procura de acabar com o preconceito, a imposição social, a desigualdade de gênero, sexo, pela valorização do trabalho da mulher e pelos direitos individuais femininos. Passei no concurso federal e continuo na luta pelos direitos das minorias, por uma educação de qualidade, pela participação da mulher no mundo do trabalho e nas ações políticas. Acredito que juntos somos mais, portanto, temos que agir, fazer acontecer, transformar o mundo a todo momento.

    2. Você faz parte de uma geração em que é muito cobrado da mulher o cuidado do lar, principalmente quanto à maternidade, contudo você se mostrou uma mulher à frente do teu tempo, que lutou contra esta imposição social e traçou uma carreira profissional bem-sucedida. Como foi se consolidar no ambiente de trabalho e lidar com as cobranças sociais acerca do cuidado familiar?

    Viver em um mundo onde todos os dias, nós, mulheres, somos compelidas a provar para a sociedade que somos capazes de viver o trabalho familiar em conjunto com o trabalho profissional, é difícil e desgastante emocionalmente, porque ainda vivemos sob a percepção de uma sociedade onde o olhar e a autoridade masculina, ainda prevalece.

    Nestas circunstâncias, a nossa realidade é desafiadora, porque o trabalho familiar ainda não é valorizado pela sociedade, com todos os seus direitos, e quando buscamos nosso espaço de igualdade com os homens, ainda somos consideradas subversivas, que querem mudar os valores familiares, onde o homem machista tem a autoridade e a mulher deve continuar submissa, sem desejos, sem identidade. Este é um desafio contínuo, que tenho enfrentado na minha vida pessoal e no trabalho.

    Fiz graduação de Direito, que era um sonho, depois dos 50 anos, porque acredito que nunca é tarde para aprender e ajudar vidas. Ampliei meus conhecimentos para compreender como as leis podem nos ajudar a vencer nossos medos, ter nossos direitos legalmente adquiridos, sem sofrer a imposição e o domínio de grupos sociais que se consideram os poderosos, capazes de nos submeter, retirando os nossos direitos e nossa liberdade pessoal de ser o que queremos ser.

    Precisei acreditar em mim, perceber que posso aprender e reaprender quando necessário, como realizar todo o meu trabalho profissional. Vivenciei e ainda vivo com pessoas que se importam com o que fazemos no trabalho e buscam valorizar nossas potencialidades e habilidades. São colegas de trabalho, amigos, que abriram os olhares e perceberam que, apesar das diferenças significativas, todo ser humano tem potencial e pode contribuir para um trabalho mais eficiente e produtivo. Deus os abençoe!

    Aprendi que tenho que ouvir os outros, mas também expressar minhas ideias, mesmo que não sejam aceitas ou consideradas importantes, porque somos seres humanos e o diálogo e a discussão fazem parte do que somos e o que queremos ser. Busco ter coragem e lutar para enfrentar os meus medos, os meus desafios e estou aberta a mudanças, porque acredito no ser humano, no desejo do bem, do amor, da busca da felicidade.

    Para realizarmos um bom trabalho é preciso gostar do que faz e mesmo que não seja o ideal, é fundamental fazer o seu melhor. Faço o meu trabalho com amor, com desejo de acertar, buscando contribuir de forma efetiva. Tenho erros e acertos, mas isso é que é ser humano, não somos completos, vivemos aprendendo, precisamos uns dos outros, com respeito, dignidade, autonomia, sobrepujando a luta por poder, cargo, função, dinheiro, para vivermos bem, com harmonia, com nossos direitos, com as nossas individualidades, sendo reconhecidos e valorizados pelo que somos, pelo que fazemos e pelo que podemos ser.

    3. O conto da aia, de Margaret Atwood, é um romance fictício que se passa num futuro muito próximo na república de Gilead (anteriormente era os Estados Unidos da América). Nessa república não existem mais jornais, revistas, livros nem filmes e as universidades foram extintas. O Estado é teocrático e totalitário e as mulheres são as vítimas preferenciais, anuladas por uma opressão sem precedentes numa sociedade onde elas perderam todos os seus direitos. Infelizmente, retrocessos como este não estão apenas na ficção. A história das mulheres iranianas é um exemplo disso. A partir da revolução islâmica em 1979, as suas vestimentas foram questionadas e no início da década de 80 foi imposto um código de vestimentas obrigatório a estas mulheres. Neste contexto, fica claro a fragilidade do direito feminino, descrito pela autora Simone de Beauvoir como uma concessão temporária. Com base no texto acima, escreva sobre a importância dos movimentos feministas na sociedade brasileira.

    No mundo que vivemos, atualmente, ainda existem países onde as mulheres continuam sendo vítimas da opressão da sociedade masculina, que não permitem ter seus direitos, são marginalizadas, violentadas, banalizadas e consideradas parte do homem, que a submetem à sua autoridade, impondo condições de inferioridade em todos os âmbitos, culturais, sociais e políticos. Nessa realidade, podemos constatar o quanto a desigualdade social é perene e frágil é o direito da mulher.

    Na evolução da história, em diferentes países, o espaço de ação da mulher sofreu grandes impactos e foi ampliando seu poder. Mesmo sendo do lar, obrigadas a casar, a criarem filhos, servindo seus maridos, muitas mulheres conseguiram ter voz, participar de movimentos políticos, ter liberdade sexual e de gênero, fazer escolhas significativas para sua vida, sendo exemplos para outras mulheres. Portanto, realizaram grandes mudanças, desenvolvendo ideias e ações de emancipação, buscando ter igualdade social, política e cultural.

    Aqui no Brasil, ainda vivemos a desigualdade, a violência, o abuso, a marginalização e o preconceito. No entanto, muitas mulheres estão resistindo, agindo em todos os segmentos sociais, participando com garra, coragem, levando a nossa voz e nossas ideias nos movimentos políticos, culturais, econômicos e sociais, demonstrando que não estamos estagnadas.

    O caminho é longo e árduo, mas precisamos continuar lutando pelo direito da mulher, realizando ações em conjunto com os movimentos feministas, buscando o empoderamento feminino, reivindicando os direitos pela igualdade entre os gêneros nos diversos cenários da sociedade. É fundamental que todas as mulheres tomem consciência da opressão e da dominação em que vivem em relação ao homem, para que juntas lutem contra essa inferioridade imposta e preconceitos existentes. É preciso conquistar os nossos direitos, nossa independência, sem desistir, buscando viver em um mundo onde somos, na amplitude da palavra, “ iguais”.

    4. No seu ponto de vista, qual é o maior legado que as mulheres desta geração podem deixar para as futuras mulheres que habitarão o nosso planeta.

    Somos poderosas, fortes, inteligentes, temos habilidades de liderança e potencial para vencer os grandes obstáculos que a sociedade nos impõe. A nossa liberdade de ser o que queremos e poder fazer o que precisarmos, para ser feliz, é o nosso bem maior. Para isso precisamos estar empoderadas, lutar pela equidade, pela não discriminação, por uma educação de qualidade, evitando, portanto, que as futuras gerações ainda vivam em um mundo de disparidades e desigualdades gritantes. Precisamos estar juntas nessa caminhada, buscando a felicidade um do outro, enfrentando nossos medos. Unidas no mesmo ideal, podemos vencer todas as barreiras que a sociedade, ainda dominada pelo homem, nos faz viver.

    5. A partir de sua experiência, qual mensagem de motivação, força e empoderamento você poderia dizer para nossas estudantes, servidoras e mulheres da comunidade local?

    Acredito que trabalhar o empoderamento é essencial para todas as mulheres, servidoras e nossas estudantes que vivem em contexto de vulnerabilidade. Observo que, desde cedo, nossas meninas, nossas adolescentes, são levadas a pensar que são menos do que os meninos e homens e, por isso, não são consideradas importantes nem suas vozes são ouvidas.

    É fundamental que todas as mulheres possam compreender que são capazes, e que dentro de cada uma existe uma força, uma energia capaz de derrubar todos os obstáculos. Jamais pense que você não é capaz e que seus esforços são em vão. Valorize sua história, sua vida, pois rótulos não nos definem. Precisamos revolucionar, buscar e conquistar nosso espaço, com força e determinação. Como diz Simone de Beauvoir:

    Que nada nos defina,
    Que nada nos sujeite.
    Que a liberdade
    seja nossa própria substância...

    Não podemos desistir, precisamos acreditar que tudo é possível e que podemos transformar o mundo, principalmente quando lutamos com o coração!

     

    Entrevistada: Iraci Balbina Gonçalves Silva

    Descrição profissional: Pedagoga, doutora em educação pela PUC/Goiás. Anterior ao IF Goiano, atuei como professora em todos os níveis de ensino. Fui coordenadora pedagógica do “Aprendizado Marista Padre Lancísio” e da Rede Municipal de Ensino de Silvânia/Goiás. Fui professora Efetiva da Rede Municipal de Ensino de Silvânia/GO, Rede Estadual de Ensino de Goiás e Universidade Estadual de Goiás. Atuei por 13 anos como professora formadora do Proformação, Proinfantil e Profuncionário. Em 2010 iniciei como servidora do IF Goiano e em 2012 comecei a atuar na Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação.

    1. Como você reflete sobre o papel das mulheres no passado na luta pela causa feminina? Considere, também, em sua reflexão, as suas próprias vivências e a forma como o mundo mudou durante a sua jornada.

    Entendo que ser mulher significa estar em luta constante e perceber que as conquistas são frágeis e precisam de vigilância. Vivemos em um mundo em que a democracia sofre de ataques e os retrocessos podem ocorrer. É preciso reconhecer que usufruímos de conquistas de mulheres do passado. Votamos, temos carreira profissional, ocupamos cargos de poder porque mulheres ousaram a desafiar a estrutura social e política. Outras mulheres virão ocupar espaços devido à luta que travamos hoje. Na minha jornada, fico sempre tentando analisar a situação para enxergar situações de preconceitos e discriminação... aos poucos vou tendo uma visão mais clara da mulher que quero ser.

    2. Você faz parte de uma geração em que é muito cobrado da mulher o cuidado do lar, principalmente quanto à maternidade, contudo você se mostrou uma mulher à frente do teu tempo, que lutou contra esta imposição social e traçou uma carreira profissional bem sucedida. Como foi se consolidar no ambiente de trabalho e lidar com as cobranças sociais acerca do cuidado familiar?

    Uma vez fizemos uma pesquisa com mães trabalhadoras e percebemos que quando a mulher está exercendo a sua profissão, ela carrega uma dor na consciência como se ela tivesse a obrigação de estar em casa cuidando dos filhos. No meu caso, sempre acreditei que quando estudo ou trabalho estou lutando por mim, pelas minhas filhas e por todas as mulheres. Sempre tive uma compreensão macro das minhas ações, sempre pensei que um ofício, por exemplo, é mais que um papel. Representa passos para a concretização de um projeto, de um sonho, de possibilidade de construção de uma educação melhor, de um mundo melhor. Além disso, busco focar na qualidade das minhas relações. Mais que quantidade, foco na qualidade. Converso muito com minhas filhas. Procuro, mais do que vê-las, enxergá-las...

    3. O conto da aia, de Margaret Atwood, é um romance fictício que se passa num futuro muito próximo na república de Gilead (anteriormente era os Estados Unidos da América). Nessa república não existem mais jornais, revistas, livros nem filmes e as universidades foram extintas. O Estado é teocrático e totalitário e as mulheres são as vítimas preferenciais, anuladas por uma opressão sem precedentes, numa sociedade onde elas perderam todos os seus direitos. Infelizmente, retrocessos como este não estão apenas na ficção. A história das mulheres iranianas é um exemplo disso. A partir da revolução islâmica, em 1979, as suas vestimentas foram questionadas e no início da década de 80 foi imposto um código de vestimentas obrigatório a estas mulheres. Neste contexto, fica claro a fragilidade do direito feminino, descrito pela autora Simone de Beauvoir como uma concessão temporária. Com base no texto acima, escreva sobre a importância dos movimentos feministas na sociedade brasileira.

    Interessante. Acho que respondi a questão na primeira resposta. Acredito que as conquistas são frágeis, pois exigem constantes vigilâncias. O mundo está estruturado na lógica machista e discriminatória, oprimindo a minoria. Cabe a nós lutar para que seja modificado, transformado. Paulo Freire alimenta a nossa esperança: a história é construída por homens e mulheres e, por nós, pode ser transformada. Devemos sempre enxergar além das aparências, pois estão sempre tentando fomentar nas mulheres o espírito competitivo. Exército dividido é exército vencido! Precisamos identificar as amarras da manipulação e ir nos libertando... De novo Paulo Freire: As pessoas se libertam em comunhão. Por isso, precisamos criar em nós um sentimento de pertença. A neutralidade é ilusória e mantém as estruturas hegemônicas.

    4. No seu ponto de vista, qual é o maior legado que as mulheres desta geração podem deixar para as futuras mulheres que habitarão o nosso planeta.

    Acredito que nosso maior desafio e legado seja mesmo lutar por nossas conquistas e ampliá-las. Vejo a democracia cada vez mais frágil e em risco. Precisamos auxiliar as novas gerações a enxergarem a estrutura de poder e a lutarem para transformá-las. Estamos estarrecidas com a violência contra a mulher. Como isso tem se tornando uma epidemia mundial. Precisamos lutar por políticas públicas a favor das mulheres. É preciso acolher, formar, lutar pela dignidade em todas as áreas.

    5. A partir de sua experiência, qual mensagem de motivação, força e empoderamento você poderia dizer para nossas estudantes, servidoras e mulheres da comunidade local?

    Retomo Paulo Freire: cuide de sua esperança, como quem cuida de um planta. Ter esperança não significa estar estática, mas perceber que grandes mudanças são baseadas em ações cotidianas. Entenda que você não está sozinha e que você é muito importante. Compreenda que força não significa violência, mas resistência. Estude muito. Perceba que sua luta não atinge apenas a dimensão pessoal. Muitas se inspiraram em você e poderão acreditar que é possível mudar as relações (intrapessoal e interpessoal). Seja fiel aos seus princípios. Foque no tipo de pessoa que você quer ser. Erros acontecem, faça deles oportunidades de aprendizagem. Olhe com carinho para você e para sua história. Faça sempre o melhor. Acolha outras mulheres. Ocupe o seu lugar na história.

     

     

    Boletim IF em Movimento

  • IF Mulheres (entrevista completa do Boletim IF em Movimento - mar/21)

    Criado em 2020 para este Boletim, o IF Mulheres é um espaço destinado a divulgar as ações de mulheres do IF Goiano. Tendo em vista que, como frutos de uma sociedade machista, na qual a violência contra a mulher – física, verbal ou emocional – é naturalizada, elas possuem várias desvantagens sociais. Então, esta seção se configura como um espaço de luta contra a institucionalização das violências e um espaço de referência e sororidade para as nossas estudantes, servidoras e mulheres da comunidade local. Na abordagem dessa edição, realizamos entrevistas com três mulheres, que vivem na intersecção de violências devido o machismo e o racismo. Elas representam, infelizmente, uma minoria de servidoras no IF Goiano que compactuam deste mesmo recorte de mulheres, escancarando para nós que políticas públicas são necessárias para promover igualdade social e oportunidades iguais a todas.

    Tema: Não sou uma mulher preta linda! Sou mulher. Sou preta. Sou linda.

     

     

    Entrevistada Silvia Maria dos Santos Severina Maria dos Santos – concursada em 1995, para o setor de lavanderia da então Escola Agrotécnica Federal de Ceres (EAFCe), onde permaneci até o ano de 2009. Devido a ter desenvolvido LER fui remanejada para o Centro de Equoterapia, para cuidar de sua organização. Em 2010, com o advento da aposentadoria da coordenadora do setor à época, professora Elisabeth, me foi passada essa incumbência que permanece até o dia de hoje.

     

     

    1. O corpo da mulher é socialmente objetificado e sobre este corpo é imposto muitas regras e limitações. Levando em conta este tipo de violência, fale sobre como se deu a construção de tua identidade feminina desde a tua infância e como esta identidade se materializa hoje.

    Na minha infância, e no começo da adolescência, penei um pouco, mas nunca me deixei abater, não entedia o porquê de tanta indiferença, mas minha mãe sempre me dizia “não se incomode com essas besteiras, porque você pode ser o você quiser, se eles podem, você também pode”. Daí sempre foquei nos estudos para me sentir auto suficiente, o que me ajudou muito no meu processo de autodescobrimento e de autoconhecimento. Passei a ter melhor percepção do mundo e suas injustiças, tive que me emancipar muito cedo com o "passamento" do meu pai precocemente, por ser primogênita de uma família de seis filhos e de pobreza extrema. Aprendi desde então a lutar contra os relacionamentos abusivos que se passavam com outras mulheres negras como eu, coisa essa que nunca aceitei. Nós criamos sim uma "carcaça" de guerreira, forte e lutadora, mas as feridas estão lá e, o pior, sem ninguém que trate delas, sem ninguém que se importe. Aprendemos a engolir o choro e seguir, mas isso não quer dizer que não esteja doendo. Enquanto a mulher branca ganhou o estereótipo de "sexo frágil", nós mulheres negras ficamos com o de "forte, mulher que aguenta tudo". Nenhum deles é bom! Se um subestima a capacidade, o outro tira o direito à dor, à tristeza, ao cansaço.

    No mercado de trabalho os efeitos do racismo estrutural são evidentes, a cultura do branqueamento é predominante e quanto mais retinta for a nossa pele, quanto mais preta ela for, mais distante estará das oportunidades. Não apenas no mercado de trabalho, mas em todas as esferas de nossa vida. Ainda que a capacidade profissional nossa seja comprovada para exercer determinada função, outras características, que nada têm a ver com a função a ser exercida, determinam a ocupação da vaga por pessoas de outros grupos raciais. Possuir uma identidade de gênero feminina, qualquer que seja ela, no nosso País é um constante exercício de resistência.

    2. Comente como frases racistas camufladas de elogios tais como: “que mulher preta linda”, “você tem uma beleza exótica”, “você tem traços finos”... podem destruir a autoestima das mulheres pretas.

    Sinceramente, eu acho ridículo todas essas frases que usam a desculpa de ser um "elogio" e na verdade são frases totalmente racistas. Precisamos entender que somos gente, não gente negra ou gente branca, simplesmente gente. Afirmações como essas só reforçam o racismo existente nessa modernidade de forma sutil.

    3. Como se dá a construção da autoestima de uma menina/mulher preta em uma sociedade que padroniza bonecas sem representatividade, que tem em seu imaginário a construção de um Deus branco e onde o protagonismo e o padrão de beleza se dão em pele branca?

    É uma luta conseguir construir autoestima, se amar e se aceitar, porque sempre vem à tona a dor de tantas mulheres negras marcadas por gerações e gerações, sendo excluídas, subestimadas, desvalorizadas e nunca sendo as preferidas, dentro da realidade que temos. Enquanto a representação for racista a representatividade será escassa.

    4. Infelizmente, devido às injustiças sociais que vivemos por questões de gênero e racial, a mulher preta, muitas vezes, só “é chamada” para falar de suas lutas e todo o restante de sua existência é negligenciado. Use este espaço para falar destas outras vertentes, a Silvia profissional, a Silvia mãe e a Silvia Mulher.

    Decidi prestar concurso, pois em certames assim não há discriminação racial, não se vê quem está fazendo as provas!!! Não se sabe a cor, o gênero, o local de nascimento, nada! E aí, só o mérito individual e esforço de cada um. Mas para não fugir aos padrões logo que iniciei o trabalho na Instituição já senti na pele o preconceito por ser mulher e mulher negra. Reagi e com isso quase fui exonerada, mas como de costume não me abalei e continuei a fazer meu trabalho.

    Eu, mãe solteira, criei filhos com a percepção de empoderamento em que poderiam sim ser quem e o que quisessem, dentro do respeito às regras exigidas na sociedade em geral. Que independente da nossa cor, somos importantes. Até porque sonho que se sonha só... é só um sonho que se sonha só... mas sonho que se sonha junto é realidade.

    Eu, mulher solteira por opção, livre, independente, feliz comigo mesma, segura de quem sou e do que quero, me considero forte justamente por ter passado por isso.

    5. A partir de sua experiência, qual mensagem de motivação, força e empoderamento você poderia dizer para nossas estudantes, servidoras e mulheres da comunidade local.

    Desde a "abolição da escravidão", a população negra só foi incluída como consumidor e nunca como cidadão. Mesmo tendo sofrido todo tipo de bullying na escola, acredito nela como espaço de construção de sociabilidades, de afetividades, de conhecimentos, de produção de humanidades, de acolhimentos, de emancipação de pessoas. Espaço do contraditório, da diversidade, de estar sempre em construção, nunca estar pronto, que é bonito se saber sujeito em processo de ser sempre melhor para si, para o outro e para o mundo. Acredito ser imprescindível que o debate acerca da desigualdade de gêneros faça parte do ambiente escolar A relação gênero-educação é abrangente e complexa e não é uma novidade, embora pareça que somente na atualidade a desigualdade de gêneros esteja sendo discutida. Bora desconstruir conceitos para ajudar as novas gerações de mulheres negras sejam mais empoderadas. Empoderamento da mulher negra já!, verdadeiro e profundo. Somos fortes sim, mas temos sentimentos como todo ser humano. Sejamos aguerridas e lutemos pelas novas gerações.

     

     

    Entrevistada Fabiana Aparecida Marques – bacharela em Química pela Universidade Federal de Uberlândia (2007-2010), mestra em Química Orgânica pela Universidade Federal de São Carlos (2011-2013), doutora em Química Analítica pela Universidade de São Paulo - IQSC (2018), com período sanduíche na Concordia University, Canadá. Atualmente é professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano. Tem experiência nas seguintes áreas: separações (cromatografias), espectrometria de massas, metabolômica, ferramentas quimiométricas, infravermelho, produtos naturais e microbiologia.

     

     

    1. O corpo da mulher é socialmente objetificado e sobre este corpo é imposto muitas regras e limitações. Levando em conta este tipo de violência, fale sobre como se deu a construção de tua identidade feminina desde a tua infância e como esta identidade se materializa hoje.

    Quando se fala em corpo feminino, logo pensa-se no padrão estético “magro” e na maioria das vezes na cor de pele branca, padrão culturalmente imposto pela sociedade e cultura contemporânea. Ao analisar o termo “objetificação do corpo feminino”, tem-se por trás disso, além do padrão que a sociedade impõe, a falta de relevância em termos emocionais e psicológicos de uma mulher. Essa objetificação está muito relacionada com o que a mídia impõe, um padrão contemporâneo, e que muitas das vezes está vinculado à questão de agradar alguém, sendo inclusive ponto para comentários e piadas sexistas. Contraditoriamente, o meu “eu” vem de oposto ao padrão que se espera, na verdade sou uma mulher dita “gordinha”, que desde a infância ouviu “como você tem o rosto bonito”. Sim, são expressões que as mulheres fora do padrão que a sociedade impõe ouvem geralmente, e são a partir dessas expressões que eu aprendi a me blindar para me manter emocionalmente e psicologicamente desde a infância, feliz e bem comigo mesma!

    2. Qual a situação da mulher preta no Brasil? Onde estão estas mulheres?

    Uma questão um tanto quanto complexa. A depender da subjetividade, conhecimento e status de cada um, tem-se uma visão diferente para onde estão estas mulheres. Quando levamos para o mercado de trabalho, pode-se considerar que é o local onde a mulher preta mais sofre com o racismo e desigualdade em seu cotidiano. Atualmente existem mulheres pretas em diferentes locais e status no País, desde aquelas mulheres que estão alcançando cada vez mais seu espaço para novos e melhores cargos até mulheres que se encontram, na maioria dos casos, em condições degradantes e vulnerabilidade social. Quando analiso os locais onde passei durante minha formação, mínimas foram as mulheres pretas com as quais me deparei e que estivessem no mesmo nível de formação e atuação que eu. Infelizmente essa é a realidade brasileira, quando penso e tento lembrar de alguma mulher química e preta, confesso que tenho dificuldades. Sinto-me privilegiada em ter chegado até aqui, doutora e docente em uma instituição pública de ensino, concursada! Mas esse privilégio não está relacionado com sorte ou mérito, e sim de luta e resistência a uma sociedade racista e machista. Deixo aqui um apelo às mulheres pretas, que possamos desenvolver ações e criar meios de melhoria para nossa inserção no mercado de trabalho e consequentemente maior visibilidade social, o que quebraria em partes um processo histórico inundado pelo racismo entrelaçado nas esferas sociais, permeado ainda pelas desigualdades e falta de oportunidades.

    3. Como se dá a construção da autoestima de uma menina/mulher preta em uma sociedade que padroniza bonecas sem representatividade, que tem em seu imaginário a construção de um Deus branco e onde o protagonismo e o padrão de beleza se dão em pele branca?

    Aqui recorro facilmente às palavras inseridas na primeira pergunta. Considerando o meu “eu”, diria que embora eu fuja dos padrões estéticos que historicamente a sociedade preconiza, sempre tentei manter o emocional e o psicológico – amor próprio deve vir em primeiro lugar. Por incrível que pareça são questões que de fato nunca me afetaram como pessoa nem ao menos como profissional ou mulher. Ressalto ainda que as mulheres estão sujeitas a inúmeros tipos de discriminações, muitas são as combinações possíveis de opressões que acabam atingindo diversos segmentos. Dessa forma é importante ressaltar que não devemos pensar em discriminações individualizadas, há uma sinergia entre os tipos de discriminações, surgindo um termo muito bem utilizado pelos estudiosos do ramo: a interseccionalidade, que vem tratar da forma pelo qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe, sexismo, e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições de mulheres, raças, etnias, classes e outros vários quesitos. A luta por dignidade é diária, e nós mulheres pretas precisamos ser resistentes, não é o padrão de cor de uma boneca que iria interferir no meu intelecto e conquistas. Tento estar sempre buscando, transformando, reinventando, e é por isso que sinto o direito de dizer que não é um padrão feminino objetificado pela história que vai interferir nos meus limites profissionais e pessoais, é a minha história... minha vida.

    4. Infelizmente, devido às injustiças sociais que vivemos por questões de gênero e racial, a mulher preta, muitas vezes, só “é chamada” para falar de suas lutas e todo o restante de sua existência é negligenciado. Use este espaço para falar destas outras vertentes, a Fabiana profissional, a Fabiana mãe e a Fabiana mulher.

    Essa pergunta me fez refletir o quanto esse assunto é pouco discutido e até mesmo analisado por mim. Me fez enxergar o quanto o racismo impacta a vida de muitas mulheres pretas, o quanto isso deveria ser mais explorado e analisado pela sociedade como um todo. Nessa entrevista foi necessário que eu buscasse referências e estudos em que eu pudesse me guiar em algumas questões, por mera falta de conhecimento e embasamento para gerar uma discussão coerente. A Fabiana profissional, a Fabiana mãe e a Fabiana mulher acabam sendo uma mulher preta que se considera não impactada pelo racismo existente e encrustado na sociedade. Temos que levar em consideração que não existe somente a discriminação racial, mas também o sexismo, discriminação de gênero, violência doméstica e inclusive práticas machistas. A Fabiana nas três vertentes citadas acaba sendo uma mulher preta privilegiada, como já citei em respostas anteriores, a luta e resistência sempre foram companheiras para chegar onde me encontro hoje, e certamente os espaços que ainda irei conquistar. A Fabiana profissional sempre se cobrou muito, pelo perfeccionismo nas ações acadêmicas, pela busca sempre em não falhar perante algum tipo de avaliação e isso não abre espaço para mostrar as fraquezas, sempre gostamos de nos mostrar fortes e sem falhas, o que de forma prática e real não é bem o que acontece. A Fabiana mãe, essa sim está em constante aprendizado, uma vertente tão recente na minha vida e que em pouco tempo já foi suficiente pra mostrar o quanto somos fortes – não relaciono aqui ao fator “cor da pele”, nesse ponto eu ressaltaria que por detrás de todo o “romantismo” em ser mãe, existe uma MULHER forte e com um coração imensurável de sentimentos. Por fim, a Fabiana mulher, aqui pego o gancho da primeira resposta, a questão da personificação do padrão estético feminino, a Fabiana nessa vertente é mais resistente ainda, com amor próprio, equilíbrio emocional e psicológico eu amo ser a Fabiana que sou!

    5. A partir de sua experiência, qual mensagem de motivação, força e empoderamento você poderia dizer para nossas estudantes, servidoras e mulheres da comunidade local.

    Tenho convicção de que, muitas vezes, o percurso é árduo, nosso profissionalismo e estética são sempre avaliados e observados de acordo com o padrão que a sociedade preconiza, o que acaba sendo marcado racialmente. No entanto, não devemos permitir que olhares externos e empecilhos diversos nos façam colocar em dúvida nosso potencial. Nos conhecer, parar de “naturalizar” nossa origem e história, explorar nossos laços familiares de solidariedade geram, em minha opinião, um diferencial para mulheres que vivem em situações de vulnerabilidade ou de múltiplas vulnerabilidades, devido o interseccionalismo presente. Conhecer nossos direitos, deveres e aprofundar em estudos para compreender nosso próprio processo histórico fazem também muita diferença – evitem sempre de se vitimizar por serem, por exemplo, mulher e preta, se profissionalizem cada vez mais! O conhecimento é nosso escudo, isso nenhum tipo de padrão social pode nos tirar. A invisibilidade do racismo acaba sendo uma triste realidade brasileira e, dessa forma, não se pode esperar que a população preta, em especial as mulheres pretas estivessem familiarizadas com essas discussões, então ressalto aqui a necessidade de nos conhecer e desbravar caminhos pela sociedade. Finalizo com uma frase: “Aquilo que não se via ou não se dizia ou se fingia não ver/dizer está dito: racismo” (Jurema Werneck, 2003).

     

     

    Entrevistada Cristiane Maria Ribeiro – possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Goiás (1995), Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (2000) e Doutorado em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (2005). Foi professora efetiva da Universidade Federal de Goiás e atualmente está vinculada ao Instituto Federal Goiano, como professora. Tem experiência na Educação Básica e em pesquisa, principalmente sobre os seguintes temas: Educação, Educação para as relações étnico-raciais, Políticas Educacionais e História da Educação. É, também, professora do quadro permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino para a Educação Básica e Gerente de Pesquisa do Campus Urutaí do IF Goiano.

     

     

    1. O corpo da mulher é socialmente objetificado e sobre este corpo é imposto muitas regras e limitações. Levando em conta este tipo de violência, fale sobre como se deu a construção de tua identidade feminina desde a tua infância e como esta identidade se materializa hoje.

    Tenho comigo uma postura e atitudes de que o lugar das mulheres deve ser onde elas quiserem estar, não um modelo determinado de comportamento, profissão e limitações do que ele pode ou não fazer por causa de seu gênero. Este pensamento não foi construído na militância e nem, tampouco, na academia, mas fruto de condições adversas de vida que me empurrou para tarefas que as vezes eram tidas como masculinas, acompanhando meus pais em trabalhos precarizados. Meus pais não determinavam o que um filho ou filha podia fazer. Logicamente, esta perspectiva foi aprofundada na militância.

    2. Comente sobre como a hipersexualização do corpo preto afeta a vida afetiva e social das mulheres pretas.

    Esta questão é muito difícil de enfrentar porque há o preconceito de gênero que objetifica as mulheres, e quando se é negra temos que lidar, também, com a ideia de servir para sexo ocasional, sem envolvimento, respeito ou compromisso. A dificuldade é que se você tenta fugir de qualquer um destes estereótipos, fica tachada como rancorosa, frustrada. Confesso que é difícil lidar com alguns homens que se acham no direito de propor relacionamentos “secretos” ou te enxergam como subordinada, mesmo tendo a mesma função no organograma da Instituição. Particularmente, o mais difícil é mostrar que não há possibilidade de me sujeitar a isso com elegância, propriedade e educação.

    3. Segundo a filósofa Angela Davis: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. Qual a importância para a nossa Instituição de que os nossos gestores entendam esta afirmação?

    Eu vejo dois movimentos quando a mulher negra quebra as barreiras e se empodera ou consegue tratamento equitativo dentro de uma instituição. De um lado vejo um incomodo daqueles que tem posições conservadoras, expressado a partir de questionamentos, tais como: Por que ela? Como ela consegue? Ela está ali por cotas, pois a instituição quer parecer politicamente correta? Por outro lado, vejo um movimento de pessoas que conseguem compreender a perversidade das relações raciais brasileiras e veem um você uma esperança ou modelo a ser seguido. Penso que é urgente uma política institucional permanente de promoção de inclusão dos grupos minoritários.

    4. Infelizmente, devido às injustiças sociais que vivemos por questões de gênero e racial, a mulher preta, muitas vezes, só “é chamada” para falar de suas lutas, e todo o restante de sua existência é negligenciado. Use este espaço para falar destas outras vertentes, a Cristiane profissional, a Cristiane mãe e a Cristiane mulher.

    Fiz a opção em construir como objeto de pesquisa as questões afetas à diversidade étnico-racial, conciliar minha carreira profissional com a temática é tranquilo, pois não só escrevo, oriento sobre a temática, mas tenho que mostrar nas ofertas de disciplinas que sei muitas outras coisas. Sou uma mulher feliz por me considerar bem-sucedida profissionalmente. A maternidade é uma realização indescritível!

    5. A partir de sua experiência, qual mensagem de motivação, força e empoderamento você poderia dizer para nossas estudantes, servidoras e mulheres da comunidade local?

    Gostaria de dizer para as mulheres, principalmente para as jovens pobres e negras, que ser negra neste País é a coisa mais difícil do mundo, é quase insuportável – contudo, nós não precisamos nos encaixar nos estereótipos e lugares que são a nós destinados, e para não submeter é preciso lutar, conscientemente.

     

     

    Boletim IF em Movimento
    Campus Ceres

  • Nova edição do IF em Movimento se dedica às Pessoas com Deficiência

    Boletim do Campus Ceres é publicado a cada trimestre, divulgando ações de ensino, pesquisa e extensão

Fim do conteúdo da página