Os desafios da produção de alimentos frente às mudanças climáticas
Em apresentação durante o Ceagre Agro Experience, pesquisador falou sobre o aquecimento global, suas causas e implicações e apontou possíveis formas de mitigar seu impacto
Quais são os desafios que se impõe pelas alterações climáticas vividas pelo planeta, na atualidade e num futuro próximo? Essas alterações são reais ou mera expeculação? O que elas trarão para a produção de alimentos? Foi a partir destas e outras questões que o pesquisador Carlos Alberto Martinez, professor da USP Ribeirão Preto, falou ao público do 2° Ceagre Agro Experience, na tarde da terça-feira, 16 de maio. Engenheiro Agrônomo e doutor em Fisiologia Vegetal, Martinez vem se dedicando à pesquisa em mudaças climáticas, inclusive com estudos envolvendo simulações de alteração do clima e seu impacto no crescimento e produção vegetal.
Sua palestra teve o tema Soluções para enfrentar eventos climáticos extremos na agricultura com foco na mitigação e adaptação, e sua fala se iniciou falando sobre os dados e as pesquisas realizadas, de forma objetiva: “O que a gente faz na universidade é gerar informações para vermos o que está ocorrendo com o planeta, o que está ocorrendo com as plantas e como [elas] irão responder no futuro, a essas mudanças climáticas”. Acrescentou que os resultados obtidos nos últimos relatórios não trazem novidades. “Essa situação é bastante conhecida, existem várias evidências de que uma alteração climática está ocorrendo no planeta, em decorrência de gases de efeito estufa. Esses gases basicamente são três - metano (CH₄), óxido nitroso (N₂O), e dióxido de carbono (CO₂). São gases que aquecem nossa atmosfera”, afirmou.
Em se tratando de eventos naturais, não há vilões ou herois, mas sim a ação do homem modificando um delicado equilíbrio. “Se estima que na ausência desses gases [de efeito estufa] nosso planeta seria um planeta frio, com temperatura média abaixo de 0 graus. Então, a presença desses gases é fundamental para permitir a vida no planeta”, explica Martinez. “O problema é que esses gases estão aumentando, basicamente por causas antrópicas” - isso é, que envolvem a ação do homem.
A fala do pesquisador trouxe dados oriundos dos relatórios de mudanças climáticas do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), produzidos a cada cinco, seis anos, por cientistas dos 195 países participantes, inclusive brasileiros. O IPCC nasceu a partir do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONU Meio Ambiente), em 1988, a fim de fornecer avaliações científicas consistentes sobre a mudança do clima. “E o que se faz com essa informação?”, provoca Martinez. “Os países assumem compromissos ambientais”, explica, citando o Protocolo de Kyoto, de 1997, e o Acordo de Paris, de 2015.
De acordo com os dados apresentados, evidencia-se que cada uma das últimas quatro décadas foi sucessivamente mais quente a anterior e, portanto, o planeta está se aquecendo. Os relatórios apontam como “muito provável” que a retração das calotas glaciais e o aquecimento da temperatura do mar sejam decorrentes da atividade humana. Além disso, apontam também que as emissões de CO₂ tem contribuído para a acidificação dos oceanos. “Um grau, dois graus, parece pouco. Quando fazemos experimentos com as plantas, o aumento de dois graus favorece o desenvolvimento, [o aumento de] CO₂ é um aspecto positivo. Mas isso se torna preocupante quando analisamos todo o quadro, com os eventos climáticos extremos decorrentes destas alterações climáticas”, alerta o pesquisador.
O efeito estufa, seus gases e suas origens - Se são o metano, o dióxido de carbono (mais conhecido pela sua fórmula CO₂) e óxido nitroso os gases de efeito estufa, quais são as suas concentrações e, principalmente, suas fontes? Martinez apresenta que, considerando-se o cenário atual, 66% dos gases estão representados pelo CO₂. O óxido nitroso, por sua vez, representa somente 7%, mas seu potencial de aquecimento é cerca de 300 vezes maior. E alerta que “ele e o metano não são tão discutidos”, apesar de suas implicações.
De forma geral, os combustíveis fósseis (derivados do petróleo), o carvão e desmatamento despontam como as maiores fontes de CO₂. Já em relação ao metano, o cultivo de arroz inundado e a fermentação entérica (no rumen dos animais poligástricos) são as fontes significativas. Quanto ao óxido nitroso, os responsáveis são, principalmente, os fertilizantes nitrogenados, correspondendo a 70% da fonte. De posse dessas informações, o que é possível fazer para mitigar, em que pontos trabalhar para reduzir a emissão destes gases? Para tratar destes pontos, o pesquisador trouxe, primeiramente, os cenários possíveis desenhados pelo relatório do IPCC.
Foram traçadas cinco possibilidades, que, segundo Carlos Martinez, iriam de péssimo a exemplar. “Num cenário pessimista, as temperaturas até 2100 terão aumentado 4,4 ou 3,6 graus. Num cenário intermediário, terão se mantido na casa dos 2,7 graus. E nos otimistas, 1,8 ou 1,4, atendendo ao Acordo de Paris”. Esses valores, explica, relacionam-se diretamente à quantidade de CO₂ emitida. Todos os cenários mostram uma anomalia térmica, redução das precipitações em algumas partes do globo (incluindo grande faixa do Brasil) e mudanças na situação de umidade do solo. Essas alterações, no entanto, têm sua intensidade alavancada conforme pioram os cenários.
E, embora as projeções sejam futuras, é notável que as alterações já estão em curso, em ocorrências como enchentes, secas, tempestades, ondas de calor e elevação do nível do mar. Entre os impactos climáticos na América do Sul, o pesquisador citou a questão dos rios voadores da amazônia. “À medida que se diminui a Floresta Amazônica há impacto direto na região central e sudeste do País, por conta dos chamados rios voadores, formados a partir de água evaporada pela vegetação na amazônia e que seguem até o centro-sul brasileiro”, demonstra. Outro caso, mais alarmante, já ocorre em um dos nossos países vizinhos. “Tem algumas cidades no Peru que já estão sem água: há retração da geleira, logo há menos degelo, e os rios diminuem de volume”, explica Martinez.
O caso do Brasil - Na realidade nacional, o que se observa é que a principal causa para incremento dos gases de efeito estufa tem sido o desmatamento, cuja taxa se ampliou nos últimos anos. Repassando o perfil de emissores por setor, mapeado em 2021, o desmatamento corresponde a 49% e a as atividades agropecuárias, a 25%. O setor de energia, logo em seguida, ocupa 18%. Para se ter uma ideia do avanço do desmatamento e de sua grande implicação para o aumento das emissões, um paralelo entre 2010 e 2021 mostra que, enquanto as emissões pela agropecuária aumentaram 12% e as por energia, 17%, o desmatamento foi responsável por 83% de incremento.
Falando especificamente das atividades agrícolas e de pecuária, a fermentação entérica corresponde ao maior perfil, e o maior incremento se refere ao gado de corte. Além disso, o manejo de solos também tem sua contribuição. Contudo, ao se aplicarem técnicas modernas de manejo, a situação se inverte. “Uma boa notícia é que os solos brasileiros estão sequestrando duas vezes mais carbono que o emitido”, apresenta Martinez. Essa contribuição decorre principalmente da pastagem bem manejada (balanço de -256,8 milhões de toneladas de CO₂) e sistemas integrados de Lavoura-Pecuária-Floresta (-115,9 milhões).
Ainda assim, os riscos iminentes prevalecem, considerando-se o cenário atual de ampliação de emissões e o aquecimento registrado década após década, em níveis mundiais. A título de exemplo, algumas alterações encontradas a partir de simulações realizadas por Martinez em Ribeirão Preto mostram que a qualidade das pastagens terá qualidade reduzida no futuro, conforme avancem as alterações climáticas. Um dos estudos demonstra que a elevação do CO₂ na atmosfera implica na redução da folhagem e ampliação do caule (relação folha/ colmo). Em outro estudo, junto ao IF Goiano, realizado com o Capim Mombaça, encontrou-se que a elevação da temperatura diminuiu em 25% sua digestibilidade. Tudo isso, por extensão, ampliaria também os custos de produção.
As possíveis soluções - O pesquisador apresenta algumas questões que devem ser observadas, para além do óbvio - isso é, a efetiva redução da emissão dos gases de efeito estufa, cumprindo-se o Acordo de Paris. O primeiro ponto de atenção incide sobre a diversificação de nossas fontes alimentares, diminuindo-se assim a inseguraça alimentar. “O primeiro nível é formado por alimentos energéticos, basicamente quatro espécies: trigo, batata, arroz e milho. E isso é uma grande insegurança alimentar, apesar de termos milhares de espécies que poderiam ser consumidas”, explica o palestrante. No planeta, cerca de 80% do consumo de alimentos energéticos é pautado sobre trigo, arroz, milho, batata, batata-doce e mandioca, conforme dados trazidos por Martinez.
Ele explica que já existem outras opções, inclusive conhecidas, que podem ter maior atenção, seja pela sua adaptabilidade ou por serem também alternativas nutricionais válidas. “Quando falamos de segurança alimentar, estamos falando de segurança nutricional - a quinoa, por exemplo, consegue suprir todos os aminoácidos necessários para o ser humano”, enfatiza. “Já temos materiais genéticos”, informa Martinez, dando por exemplo a diversidade de batatas, uma das quatro fontes energéticas mais utilizadas. São mais de 2000 espécies, sendo que cerca de 200 são cultivadas, e apresentam resistências distintas. “A quinoa está sendo cultivada e é extremamente rústica. Se adapta a solos alagados, salinos, com problemas de água... cresce entre as pedras”, exemplifica.
Incrementar a resistência e resiliência das cultivares a eventos climáticos extremos, explorar a biodiversidade com novos cultivos promissores para áreas de risco climático, fazer uso de bioinsumos para fixação de nitrogênio, reduzindo o uso de fertilizantes, são os pontos elencados por Carlos. Além deles, o pesquisador cita a ampliação de áreas irrigadas e da prática da agricultura de precisão. “É possível reduzir o uso de fertilizantes a partir de bactérias que contribuam com a fixação de nitrogênio e (inclusive) com o crescimento radicular”, informa, citando estudo conduzido pela Embrapa Soja com uso de Azospirillum, que resultou em redução de 25% no uso de nitrogênio no milho.
Ao encerrar sua fala, o pesquisador trouxe algumas considerações, que, longe de serem conclusões, devem ser vistas como pontos para atenção. São elas: a adoção de práticas agropecuárias inovadoras, que fomentem a adoção de tecnologias de mitigação de emissões, incluindo a agricultura exponencial e o uso de bioinsumos; a importância de um consenso que force ações para reduzir o desmatamento; explorar melhor a diversidade de plantas “que não conhecemos ainda, inclusive para a alimentação, como as PANCs; a aplicação de técnicas modernas de produção de alimentos, como semeadura direta, integração Lavoura-Pecuária-Floresta, e ajustes de cultivares de alto potencial produtivo para cultivo em determinadas regiões, devido à mudança do clima; adoção de estratégias para melhoramento genético, inclusive com uso de biotecnologia; e, por fim, uma melhor gestão de uso dos recursos hídricos.
Diretoria de Comunicação Social/ IF Goiano
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